O papa Francisco não aprova, mas o brasileiro ama. Todo mundo que você conhece provavelmente deve praticar em maior ou menor grau. Há quem se preserve e não admita, há quem exacerbe ou enalteça a atividade.
"Por favor, irmãos e irmãs, vamos fazer um esforço para não fofocar. Fofocar é uma praga pior do que a covid-19", suplicou o Papa durante sermão proferido em setembro.
Assim como o Papa, a fofoca é pop. Claro, vale uma diferenciação aqui: fofoca como ato de repassar informação sobre a vida alheia, não como ataque ou distorção de um fato. A fofoca une amigos e há quem diga que fortaleça relacionamentos. Nos últimos tempos, a fofoca tem sido vista em reality shows e em séries.
Nos primeiros dias do Big Brother Brasil 21, Projota conquistou fãs ao espalhar uma fofoca inofensiva: enquanto alguns participantes estavam isolados da casa, o cantor viu o nome de Carla Diaz na tela e ficou muito animado para contar para todos os outros que ela estaria na edição. Nas redes sociais, o público se identificou e o apelidou de "Maria Fifi". Embora a popularidade de Projota despencasse em seguida, Gilberto e Sarah se consolidaram como os fofoqueiros queridinhos do público.
O fato de alguém ser fofoqueiro não seria uma qualidade a ser considerada em edições anteriores do BBB. Contudo, estamos em uma era em que as pessoas assumem gostar dessas espiadinhas na vida alheia. Arthur Guedes, mestre e doutorando em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela UFMG, frisa que a dinâmica do BBB só funciona até hoje exatamente por causa da fofoca.
— O programa pressupõe que falemos sobre ele, sobre os participantes, sobre os comportamentos. A premissa dele é nos reunirmos em torno da vontade de acompanhar a vida de pessoas que não conhecemos. Então, naturalmente, a identificação com participantes que sejam fofoqueiros é muito próprio da gente. É quase um movimento natural. Por mais que, no passado, dizer que alguém fazia fofoca tinha um peso negativo, nossas dinâmicas sociais foram atualizadas no último ano — explica o pesquisador.
Sempre houve programas da TV aberta, colunistas, portais, entre outros meios, dedicados à fofoca. Porém, há um novo cenário aqui. Nos últimos anos, houve uma proliferação de contas no Instagram dedicadas a contar cada passo da vida dos famosos — como Rainha Matos, Gossip do Dia e até Hugo Gloss. Tamanho o respaldo dessas páginas que as próprias celebridades comentam nas publicações. Para Guedes, a pandemia ajudou a potencializar o comportamento bisbilhoteiro:
— Passamos de um contexto de liberdade para outro em que o que nos restava era acompanhar a vida de quem conseguia ter um mínimo de normalidade. Por isso, falar sobre o outro se tornou uma distração. E a fofoca teve seu papel regulador para que os cuidados com o isolamento social fossem cumpridos, pelo menos no início da pandemia.
O psicólogo Marcelo Tito também aponta que a pandemia pode ter aberto uma janela para a fofoca, com as pessoas passando mais tempo conectadas:
— À medida que eu tiro meu foco das atividades de rotina e vou buscar uma certa forma de passar o tempo, acabo olhando mais essa janela, para situações que talvez eu não estivesse olhando se a minha vida estivesse em uma rotina de normalidade.
Com a mesma metáfora, Tito acrescenta:
— Se antes a pessoa já fofocava pelo que via da sua janela de casa, hoje a janela de casa pode ser muito maior, mesmo que seja a tela do celular. Um alcance maior de um comportamento que sempre existiu.
Sempre existiu e também é "democrático", segundo o historiador Leandro Karnal já escreveu em GZH: "É partilhado por homens e mulheres, pobres e ricos, gente de imensa erudição e outros de formação mais rasa. Fazer fofoca é tentar estar por dentro de possíveis ataques de adversários. Também estabelece laços".
Representação da fofoca
Essa atração pela fofoca ajuda a explicar o sucesso da série Bridgerton — segundo a Netflix, a mais vista da história da plataforma de streaming: 82 milhões de lares assistiram em suas primeiras quatro semanas de exibição. Produzida por Shonda Rhimes, Bridgerton adapta o livro O Duque e Eu, o primeiro de uma coleção de nove títulos escrita pela americana Julia Quinn. Ambientada na Inglaterra do século 19, a trama é centrada na família homônima, com foco inicial na relação entre Daphne (Phoebe Dynevor) e o Duque de Hastings (Regé-Jean Page).
Permeando e guiando os acontecimentos, há a misteriosa figura da Lady Whistledown. Sem que ninguém saiba sua verdadeira identidade, ela escreve e distribui um jornal em forma de panfleto. Cada edição tem como alvo os residentes mais ricos e poderosos de Londres, revelando os segredos da alta sociedade da cidade. Dublada por Julie Andrews, Lady Whistledown ora traz escândalos, ora apresenta um resumo de quais casais dançaram juntos no último baile. As revelações da Lady anônima impactam a narrativa. Até a rainha lê a publicação.
Se Bridgerton explora o efeito da fofoca nas classes mais abastadas, Dickinson, da Apple TV+, debruça-se em seu efeito na fama. Na segunda temporada da série sobre a vida da poetista Emily Dickinson (Gailee Steinfeld), também ambientada no século 19, mas com pitadas de realismo mágico e trilha sonora contemporânea, a protagonista se torna uma bisbilhoteira não só talentosa, mas até sobrenatural. Nessas cenas, Dickinson serve aquela emoção de não apenas descobrir um segredo, mas também do que essa informação pode desencadear.
A fofoca seguirá sendo uma tendência na TV e no streaming: Gossip Girl ganhará um reboot neste ano. Drama adolescente baseado na série literária homônima da escritora Cecily von Ziegesar, a série foi ao ar entre 2007 e 2012. A nova versão deve ser exibida pelo HBO Max.
Assim como Bridgerton, Gossip Girl tinha sua Lady Whistledown do século 21, operando um blog. Desta vez, a trama deve explorar como as redes sociais mudaram a cena da elite de Nova York.