* Professor da Unicamp, autor de A Detração: Breve Ensaio Sobre o Maldizer (2016)
Wilhelm Reich afirma que ela faz parte da "peste emocional" e nutre o deserto interior das almas vazias. José Ângelo Gaiarsa indica que apenas 20% do que falamos seria isento dela. A Bíblia a condena. O que seria tão importante? Falamos da fofoca.
A serpente da fofoca tem muitos nomes: maledicência, difamação, mexerico, boato, babado, intriga e detração. Fofoca tem origem na língua banta, segundo o Dicionário Houaiss.
Fofoca é antiga a ponto de constar na Bíblia. Aparece no episódio de José, no Egito, falsamente caluniado como sedutor da mulher de seu amo.
Mais tarde, no Sinai, o povo murmurou contra Moisés. Reclamavam da fome e da sede, do cansaço e até suspiravam pelas cebolas do Egito. Moisés a ataca frontalmente como falta de confiança no plano de Deus. Jesus foi alvo da detração. Era galileu, comia com publicanos e perdoava adúlteras. Jesus fugia do mainstream, e os fofoqueiros odeiam isso. Jesus era livre, e isso perturba os zeladores da vida alheia.
A internet tornou-se o paraíso dos fofoqueiros. Perfis falsos, boatos, mensagens venenosas: o admirável mundo novo da técnica criou a proliferação do maldizer. Umberto Eco reclamava que a internet deu uma voz imensa aos idiotas. Talvez devêssemos acrescentar o termo fofoqueiros à ideia do recém falecido intelectual italiano.
Ainda ocorria uma votação sobre o destino da atual chefe do Executivo brasileiro e os celulares já pipocavam com fotomontagens, invariavelmente ácidas e detratoras. A criatividade maligna é quase infinita. Este ataque sempre foi uma arma política importante, como mostravam as mensagens deixadas nas bocas das estátuas de Roma. A boca do "pasquino" onde se deixava o panfleto deu origem à palavra pasquim (jornal difamador).
Mas não se engane o leitor, a fofoca é democrática: é partilhada por homens e mulheres, pobres e ricos, gente de imensa erudição e outros de formação mais rasa. Fazer fofoca é tentar estar por dentro de possíveis ataques de adversários. Também estabelece laços e eles podem ser importantes. A fofoca é uma forma de preconceito que constrói uma rede política. Falo mal de um terceiro a um segundo para reforçar intimidade. Também é uma maneira de lidar com minhas dores, já que o alvo de ataque é ambíguo na admiração/medo/desprezo que sinto.
Envergonhada, a fofoca precisa se disfarçar com vernizes mais sutis: "Eu até gosto dela mas..." - e após esta adversativa flui o fel pestilento. "Ele é um bom homem, trabalhador, pena que..." Estes eufemismos, esses atenuantes são recursos para disfarçar meu veneno e minha dor.
Ao pesquisar para meu livro A Detração: Breve Ensaio Sobre o Maldizer, fui ficando cada vez mais impressionado com a extensão da fofoca. Por quê? Talvez a chave esteja nos telegramas entre Churchill e Bernard Shaw descritos na obra:
"Tenho o prazer e a honra de convidar digno primeiro-ministro para primeira apresentação minha peça Pigmaleão. Venha e traga um amigo, se tiver. Bernard Shaw."
"Agradeço ilustre escritor honroso convite. Infelizmente não poderei comparecer primeira apresentação. Irei à segunda, se houver. Winston Churchill."
Esta é a chave da insinuação maldosa. Amamos esta velocidade de língua, o único órgão humano que não cansa nunca, e nunca entra em exaustão. Amamos fofoca, desde que não sejamos o alvo.
Você já checou seu WhatsApp há pouco?