Era um cenário polarizado. Havia dois lados com seguidores apaixonados, que se digladiavam tentando argumentar quem era melhor. Um tentava diminuir o outro a todo custo. Não, não era o cenário político de 2020. Apenas o começo dos anos 1990. Tratava-se de uma guerra entre a Sega e a Nintendo, duas desenvolvedoras japonesas de videogames. Ou seja, era Sonic ou Mario. A história dessa rivalidade é contada no documentário Console Wars, que será exibido na HBO nesta terça-feira (3), a partir das 22h.
Dirigido por Blake J. Harris e Jonah Tulis, o filme é inspirado no livro A Guerra dos Consoles (Editora Intrínseca). A obra foi escrita pelo próprio Harris. A adaptação para documentário contou com a produção executiva de Seth Rogen (Superbad) e Evan Goldberg (diretor de A Entrevista), que têm uma parceria de longa data em roteiro e produção.
Assim como no livro, o documentário foca no braço americano da Sega, mas a história começa com a rival. Até o começo dos anos 1990, a Nintendo dominava o mercado de games com o seu jeito Disney de ser: jogos direcionados ao público infantil, priorizando personagens amigáveis que transmitiam valores familiares, além de proporcionar uma sensação mágica de nostalgia. Tinha o videogame mais vendido, o Nintendo Entertainment System (NES), e tinha o mascote mais popular da indústria encabeçando vários títulos: Mario.
Dominando 90% do mercado americano, a empresa ainda preparava o lançamento de um novo videogame: o Super Nintendo (SNES) – lançado em 1990 no Japão e em 1991 nos Estados Unidos. Dois anos antes (1988 no país nipônico e 1989 nos EUA), o Mega Drive, da Sega, havia entrado no mercado. Embora fosse de uma geração avançada (16 bits, assim como o SNES), o console não conseguia fazer frente sequer ao NES (8 bits). A Nintendo era soberana e monopolizava toda a indústria, dos desenvolvedores de jogos aos distribuidores.
Para fazer frente à turma do Mario, o braço americano da Sega recrutou Tom Kalinske para ser o CEO da empresa nos EUA. Antes, ele fez seu nome trabalhando na Mattel revivendo marcas de brinquedos como Barbie e Hot Wheels, além de participar do desenvolvimento do He-Man. O executivo podia não ter experiência com jogos eletrônicos, mas sabia comandar estratégias de marketing para o público jovem.
Na disputa com a Nintendo, a Sega era uma "azarona". Sabendo disso, Kalinske elaborou uma estratégia de marketing agressiva para a empresa conquistar o mercado nos EUA. Entre as ações estavam a diminuição do preço do Mega Drive, a criação de mascote que impregnasse entre o público americano (Sonic), comerciais arrojados que zombassem da Nintendo e atenção maior ao público adolescente e universitário.
A Sega se reposicionou nos EUA como uma empresa mais descolada, dialogando com a geração que crescia assistindo à MTV e deixando o público infantil para a Nintendo. A tese de Kalinske era atrair o “irmão mais velho” para o Mega Drive. Conforme o executivo, se o irmão mais novo visse o irmão mais velho com o console da Sega, ele ia querer jogar também.
A estratégia da Sega dos EUA deu certo. A empresa conseguiria ultrapassar a Nintendo em vendas no território americano. Porém, os conflitos com a matriz japonesa logo comprometeriam a empresa na geração seguinte de consoles (32 bits). Eram duas culturas diferentes de mercado.
Console Wars é um documentário com uma estrutura mais convencional, seguindo depoimentos de executivos das duas empresas e amparando-se em imagens de arquivo e animações com gráficos de videogame para ilustrar episódios da época. Embora a ênfase seja maior no lado da Sega na história, é um registro importante de uma fase transformadora para a indústria de videogames.
Uma das finalidades da estratégia da Sega dos EUA era elevar os consoles para fonte de entretenimento popular – como música, filmes e livros –, atingindo um público mais maduro. Foi nessa fase que a indústria de games deu um passo maior nessa direção.
Hoje com jogos diluídos em diversas plataformas – consoles, computadores e celulares –, o setor fatura mais que os mercados de música e cinema combinados. Movimentou mais de US$ 120 bilhões em todo o mundo em 2020, conforme relatório da empresa SuperData. O que era tido como diversão eletrônica se tornou um dos setores mais rentáveis do entretenimento.