O mascote dominante da indústria do videogame em 1991 era um encanador bigodudo, que vestia macacão vermelho, colhia moedas pelo caminho, crescia comendo cogumelo e salvava princesas. Mario até hoje é o principal símbolo da empresa japonesa de games Nintendo. Mas foi naquele ano que surgiu seu antagonista vindo da concorrente Sega, também do Japão: um ouriço azul sem roupa, porém velocista. Às vésperas de completar 30 anos, Sonic chega aos cinemas nesta quinta-feira (13), em filme live-action dirigido por Jeff Fowler e com Jim Carrey interpretando o principal vilão da franquia, Dr. Robotnik.
Como conta o livro A Guerra dos Consoles, de Blake J. Harris, a Nintendo dominava o mercado de games com o seu jeito Disney de ser: jogos direcionados ao público infantil, priorizando personagens fofinhos que transmitiam valores familiares, além de proporcionar uma sensação mágica de nostalgia. Para fazer frente à turma do Mario, o braço americano da Sega elaborou uma estratégia de marketing agressiva comandada pelo CEO Tom Kalinske, com a finalidade de transformar os videogames em fonte de entretenimento popular – como música, filmes e música –, atingindo um público mais maduro. Mesmo assim, a empresa precisava de um mascote para chamar de seu.
Inicialmente, Sonic tinha presas afiadas, coleira de espinhos, uma guitarra e uma namorada humana com decote chamada Madonna. Talvez o mascote ideal para góticos ou punks. Ele foi polido até chegar à versão mais amigável que conquistou espaço perene na cultura pop. Apesar de infantil, era um personagem com personalidade distinta do Mario.
Para o editor, jornalista e escritor João Varella, autor de Videogame – A Evolução da Arte, o personagem da Nintendo era uma tela em branco de personalidade, podendo ser adaptado para ser médico, tenista ou juiz de boxe em outros títulos da empresa.
— Sonic surge com uma atitude diferente, um visual mais arrojado. Era uma época da MTV ganhando mais força, de o rock ser mais direto e cru com o grunge. O personagem parece se encaminhar a esse novo mundo — aponta Varella.
Lançado primeiramente para o console Mega Drive (depois o título seria adaptado para diferentes plataformas), Sonic the Hedgehog é um jogo de aventura rápido, colorido e intuitivo, cujo personagem corria e executava loopings pelos cenários, combinando diversão e adrenalina – uma sensação pouco alcançada nos games daquele começo de anos 1990.
Com o sucesso, vieram as sequências. Ao longo dos anos, o ouriço acumulou dezenas de títulos e migrou para outros gêneros além da aventura: praticou esportes como golfe (Sonic Golf), pescou (Sonic Fishing), pilotou skate voador (Sonic Riders), virou bola de pinball (Sonic Pinball Party) ou trocou sopapos sem perder a amizade (Sonic Fighters). Fez de tudo um pouco esse ouriço.
Sonic se expandiria para além dos games, protagonizando desenho animado e transformando-se em todo o tipo de brinquedo e bugiganga, o que inclui até troféu de Fórmula 1, entregue no Grande Prêmio da Europa de 1993 ao vencedor da prova: um tal de Ayrton Senna.
Desacelerando
Se o Sonic surgiu como resposta da Sega para o Mario da Nintendo, com o passar do tempo essa rivalidade ficaria de lado, e os mascotes apareceriam juntos em diferentes games. A Sega entrou em falência nos anos 2000 e parou de fabricar consoles, focando no desenvolvimento de jogos para outras plataformas.
À medida que sua empresa criadora entrava em colapso, Sonic protagonizava cada vez mais jogos de qualidade duvidosa e teria dificuldades em se reinventar. Um desses momentos capciosos ocorreu com o título Sonic 2006, em que o ouriço teria (no melhor estilo Howard: o Pato) um romance zoófilo com uma humana, rolando até beijo.
— No final, o grande inimigo do Sonic não era o Dr. Robotinik (principal vilão da franquia), mas sim a própria Sega — atesta Varella.
Em 2017, os fãs da franquia voltaram a suspirar com o lançamento de Sonic Mania. Com apelo nostálgico, o game remetia aos bons tempos do ouriço. Para a publicitária Camila de Ávila, que pesquisa jogos digitais com um viés mais arqueológico em seu mestrado em Ciências da Comunicação (Unisinos), há uma tendência em retomar produtos com um apelo mais saudosista no games, principalmente no discurso, em uma tentativa de viver novamente algo de um outro tempo.
— Os videogames podem ser vistos como sistemas afetivos, em função de que, ao abrirmos um jogo no celular, no computador ou no próprio console, nós estamos abrindo uma "forma de relação" com o que encontramos nessa experiência do jogar, além de uma série de significados e implicações culturais que circulam nos videogames. Essa nostalgia que Sonic se apresenta, portanto, é uma via de se conectar com quem cresceu na década de 1990 pela memória afetiva, muito mais do que com as novas gerações — explica Camila.
O apelo nostálgico, mais a evolução dos efeitos digitais, explica por que Sonic está chegando ao cinema só agora – embora não sem percalços. Previsto para outubro de 2019, o filme foi adiado para este ano devido à repercussão negativa do primeiro trailer, em maio do ano passado – fãs estranharam a aparência do ouriço, que acabou remodelado pelo departamento de efeitos especiais, numa reformulação tão radical que levou à mudança da data de estreia. Na trama, Sonic ganha a ajuda de um policial de uma pequena cidade, vivido por James Marsden, para escapar da perseguição de Robotnik.
Assista ao trailer de Sonic – O Filme: