Como uma espécie de aquecimento para a 20ª edição do Fantaspoa, entre os dias 10 e 28 de abril, acaba de aparecer nas plataformas de aluguel digital — Amazon Prime Video, Google Play e YouTube — um dos mais impactantes filmes exibidos pelo Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre no ano passado: Megalomaníaco (Megalomaniac, 2022).
A matança desenfreada de John Wick 4: Baba Yaga (2023) e as decepações e eviscerações de O Urso do Pó Branco (2023) são brincadeiras de criança diante de Megalomaníaco. Até porque esses dois títulos investem consideravelmente em algo que falta por completo no filme vindo da Bélgica: senso de humor. O diretor e roteirista Karim Ouelhaj quebra o ritmo contemplativo com cenas de estupro, assassinato, humilhação, sequestro, cárcere privado, espancamento, marteladas na cabeça, golpes de faca...
O filme já começa com um banho de sangue, mostrando um parto que mais parece uma sessão de tortura, embalado pelos gritos da mãe e pela sinistra trilha sonora assinada por Gary Moonboots e Simon Fransquet. Quem conduz esse parto é um homem corpulento e careca que, a julgar pelo letreiro na abertura, é baseado em um personagem real: o Carniceiro de Moons, um assassino serial que assombrou a Bélgica nos anos 1990. Ele desmembrava suas vítimas — todas mulheres — e acondicionava partes dos corpos em malas e mochilas que deixava pelas estradas. Sua identidade nunca foi descoberta.
Megalomaníaco mostra como o mal pode ser transmitido, como o mal contamina, como a vítima pode se tornar agressor. Os personagens principais são os supostos filhos do Carniceiro de Moons, Martha (Eline Schumacher, em atuação impressionante) e Felix (Benjamin Ramon, com uma aparência andrógina que remete ao polêmico roqueiro Marilyn Manson). Enquanto ele segue os passos do pai, caçando mulheres nas ruas, ela trabalha como faxineira noturna em uma fábrica, onde é constantemente abusada por dois colegas, não raro aos olhos do chefe. Martha também é atormentada por pesadelos com figuras demoníacas que parecem ganhar vida no casarão onde os irmãos moram. Todo esse contexto faz despertar um desejo de vingança, ainda que distorcido.
Karim Ouelhaj controla as explosões de violência para que elas tenham o maior impacto possível quando ocorrem. Também balanceia a crueza com o onírico e contrasta a brutalidade com planos que chegam a ser deslumbrantes na composição e na iluminação — a pintura barroca inspirou o diretor de fotografia François Schmitt.
Outro ponto forte de Megalomaníaco é seu roteiro, que é aberto a interpretações e que, portanto, guarda um mistério do qual o cineasta oferece pistas — aliás, uma delas está no próprio título. Mas não se trata somente de propor um jogo ao espectador: as ambiguidades do filme e os momentos delirantes reforçam como a violência e o trauma podem transtornar uma pessoa e forçá-las a criar mecanismos de sobrevivência.