Eu me perdi na conta, mas duvido que haja alguma produção na Netflix com mais cenas de sexo do que Supersex (2024). Nem poderia ser diferente: lançada no dia 6 de março, a minissérie em sete capítulos reconstitui vida e carreira de Rocco Siffredi, talvez o maior astro pornô. Seu rosto bonito e seu pênis avantajado (com declarados 23 centímetros de comprimento) apareceram em pelo menos 1,3 mil filmes. Apelidado de Garanhão Italiano nas décadas de 1980 e 1990, o ator virou uma espécie de símbolo do seu país, tão reconhecível como a Torre de Pisa. Penetrou até no cinema de arte: a diretora e roteirista francesa Catherine Breillat, que disputou o Festival de Berlim com Para Minha Irmã (2001) e concorreu no Festival de Cannes com Culpa e Desejo (2023), escalou Rocco para ser um dos amantes da personagem Marie (Caroline Ducey) no longa-metragem Romance X (1999).
Nascido Rocco Antonio Tano, em 4 de maio de 1964, ele adotou como pseudônimo artístico o nome do personagem de Alain Delon no filme de gângster francês Borsalino (1970), Roch Siffredi. Hoje com 59 anos, Rocco já havia sido retratado em um documentário homônimo de 2016, realizado por Thierry Demaizière e Alban Terlai. Supersex é uma obra que ficcionaliza sua trajetória, com roteiro de Francesca Manieri e direção compartilhada entre Matteo Rovere, Francesco Carrozzini e Francesca Mazzoleni. O protagonista é encarnado por três atores.
Marco Fiore interpreta o papel na infância, na cidadezinha litorânea de Ortona, onde o então menino descobre o sexo por meio de uma revista de fotonovela chamada Supersex — o que incita curiosas comparações com o universo dos super-heróis, seus superpoderes, seus traumas de origem e seus esconderijos.
Visto em Amor & Gelato (2022), Saul Nanni é a versão adolescente — que, ao trabalhar de garçom em um restaurante de Paris, serve o próprio Rocco Siffredi em uma cena rapidinha.
Alessandro Borghi, um dos principais nomes do elenco em Suburra (2015) e coadjuvante em As Oito Montanhas (2022), faz a fase adulta. Apesar de não ser tão parecido, a caracterização está perfeita. Repare, por exemplo, nas caretas em que o personagem comprime um pouco os olhos e arreganha os lábios superiores, projetando os dentes para frente. E segundo Borghi disse em entrevistas, é dele próprio o pênis que aparece duas ou três vezes (ele também falou que, dos 95 dias de gravação, 50 foram dedicados às cenas de sexo).
A trama começa em 2004, em Paris, onde, durante uma convenção da indústria pornográfica, Rocco anuncia que vai se aposentar — a crise existencial vai desencadear os flashbacks que recontam sua história. A decisão choca todo mundo, em especial uma moça loira, Noemi, assistente do evento, que, ao acompanhar o ator até o banheiro, diz a ele:
— Rocco, não pode sair agora. Só vim aqui para fazer sexo com você. Quero fazer um pornô contigo. Eu imploro.
"Implora?", retruca Rocco, que, primeiro, enfia dois dedos da mão direita na boca de Noemi, depois a vira de costas e a sodomiza ali mesmo, no corredor, aos olhos de pessoas que espiam pela janela e batem as mãos no vidro como se fossem torcedores em um jogo de futebol. O ídolo é duro com a fã:
— Você é só carne. Só carne. Olhe para eles. A barreira entre sua vida e o pornô não será maior do que essa.
Embora edulcorada pela direção de fotografia, a rispidez dessa primeira transa de Supersex situa o espectador desavisado sobre características do personagem e do mundo em que ele vive. Rocco tornou-se famoso não apenas por seus atributos físicos, mas também por seu estilo bruto — ao longo da minissérie, uma atriz vai reclamar que foi machucada pelo parceiro de filme, enquanto uma namorada apontará que ele sabe fazer sexo, mas não sabe fazer amor. Por outro lado, haverá mulheres atraídas justamente pelo hedonismo animalesco do astro, haverá mulheres que têm satisfação na submissão e na humilhação.
Não só mulheres: em outra sequência que ajuda a desenhar o protagonista, o ainda adolescente Rocco perambula por Pigalle, a zona da prostituição, dos inferninhos e dos sex-shops de Paris. O alvo da vez é uma travesti, e o rapaz não se furta de acariciar o pênis dela durante a relação sexual.
E não só jovens: como Rocco Siffredi contou no documentário, a minissérie recria um episódio entre o embaraçoso e o doentio ocorrido no enterro de sua mãe. Em pleno cemitério, Rocco ficou excitado ao abraçar uma septuagenária amiga dela. Baixou as calças e pediu que a senhora praticasse sexo oral (foi atendido).
Parece uma lenda de mau gosto, mas não é improvável. Supersex acerta ao pintar Rocco como uma pessoa viciada em sexo, sempre pronta para orgias e afins, mas com dificuldades emocionais. Em alguns momentos, o personagem remete ao protagonista de Shame (2011), filme do cineasta britânico Steve McQueen que rendeu indicações ao Bafta, ao Critics Choice e ao Globo de Ouro para Michael Fassbender, na pele de um publicitário que já nem sente mais prazer quando goza — seu rosto denota sofrimento.
Já no registro dos bastidores do ambiente pornô, Supersex fica devendo bastante na comparação com Pleasure (2021), o filme da diretora sueca Ninja Thyberg que desnuda a indústria contemporânea do sexo. Na verdade, mergulha bem menos do que o esperado em uma obra sobre Rocco Siffredi. Provavelmente com a intenção de emprestar estofo dramático à minissérie, o roteiro prefere centrar foco na interação ora afetiva, ora turbulenta do protagonista com sua mãe, Carmela, e principalmente seu irmão mais velho, Tommaso. Vivido pelo carismático Francesco Pellegrino na juventude e por um insuportável Adriano Giannini na maturidade, é um sujeito que tem rusgas com ciganos e negócios com mafiosos — e que nunca teve a aprovação da família para o romance com a voluptuosa Lucia (primeiro Eva Cela, depois Jasmine Trinca). Genérica, desinteressante e repetitiva, essa narrativa toma muito, muito tempo da trama, a ponto de o espectador se ver mais do que tentado a lançar mão de uma prática comum ao gênero que consagrou Rocco: avançar as cenas.