A partir desta quinta-feira (9) e por pelo menos duas semanas, a 14ª edição do Festival Varilux de Cinema Francês oferece ao público de Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas a oportunidade de examinar alguns dos principais elementos que constituem a atual produção cinematográfica do país europeu. A programação inclui o filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano, Anatomia de uma Queda (2023), de Justine Triet, mas também lança um olhar ao passado, resgatando o clássico que tornou a atriz Brigitte Bardot um ícone, E Deus Criou a Mulher (1956), de Roger Vadim.
O ecletismo é a marca da seleção organizada pelos curadores Christian Boudier e Emmanuelle Boudier. Tem produção de época, tem história sobre astronauta, tem comédia, tem drama, tramas que envolvem o terrorismo ou o mundo da música clássica.
— Nosso processo curatorial se baseia em três regras: filmes recentes, qualidade e diversidade. Acho que, até alguns anos atrás, existia o preconceito de que os filmes franceses eram muito cerebrais, intimistas, com muita fala e pouca ação. Desde sua criação, o festival se empenha em mostrar que a cinematografia francesa é bem diversa e explora todos os gêneros _ diz Emmanuelle, que trouxe ao Brasil uma delegação de artistas para divulgar a mostra. — Tentamos também fazer com que o público descubra novos talentos, sejam cineastas ou atores, que serão as estrelas consagradas de amanhã. E fazemos questão de dar visibilidade para filmes realizados por mulheres (entre os 19 longas-metragens novos, seis são assinados por diretoras).
Christian enumera os temas que pautam os filmes:
— As temáticas que mobilizam a França são muito diversas e similares às do resto do mundo ocidental: a ameaça terrorista (caso de Memórias de Paris, com Virginie Efira) e de guerra, as questões do meio ambiente, o assunto da migração, o papel das mulheres na sociedade, as questões de gênero (vide Orlando: Minha Biografia Política, mistura de documentário e ficção estrelada por pessoas trans e não binárias que ganhou no Festival de Berlim o prêmio Teddy, dedicado a produções com temática LGBT+), o assédio moral e sexual, os problemas sociais e a precariedade, o racismo e a subida da extrema direita ameaçando a democracia. Esses temas aparecem nos filmes, seja diretamente, ou como pano de fundo, ou de maneira mais impressionista. Até o filme de animação infantil, A Viagem de Ernesto e Celestine, aborda a questão da democracia em perigo.
Os curadores também falaram sobre como a indústria francesa evita a hegemonia de produções dos Estados Unidos que se vê nas salas do Brasil e sobre como é a relação com os canais de TV e as plataformas de streaming:
— A preocupação da França é inserir as plataformas globais no modelo geral de defesa do cinema. Esse modelo, que impõe uma cronologia das mídias e uma participação financeira na produção de filmes franceses, sempre foi o pilar do financiamento do cinema francês com as TVs. O cinema francês conseguiu obter uma cronologia bem estabelecida: Canal + (que investe 600 milhões de euros por ano no cinema) tem a primeira janela seis meses depois dos cinemas, e, recentemente, foi assinado um acordo com a Netflix para abrir uma primeira janela 15 meses depois do lançamento nos cinemas, com um compromisso de investimento no cinema francês de 4% do seu faturamento anual (com um mínimo de 30 milhões de euros). O cinema francês tenta conseguir acordos semelhantes com as outras grandes plataformas (Amazon, Disney etc.). Esse modelo rende frutos, sobretudo em termos de resultados do cinema nacional e de diversidade do cinema nas salas: em 2022, o cinema francês conseguiu 40 % do mercado, o mesmo do cinema dos EUA. Isso demonstra que o rolo-compressor americano não é uma fatalidade, mas, para que não seja, deve-se definir a diversidade cinematográfica como um objetivo e defendê-lo. Na França, 20% do público vai ver filmes europeus, africanos, asiáticos e latino-americanos. São quase 40 milhões de espectadores. O documentário do Kleber Mendonça Filho (Retratos Fantasmas) foi lançado agora na França com muita visibilidade na imprensa e em muitos cinemas. É essa função que o cinema deve ter: ser uma janela aberta sobre o mundo, em toda sua diversidade!
Como qualquer curador faria, Christian e Emmanuelle não valorizam nenhum filme mais do que o outro. Mas, cientes de que o espectador nem sempre dispõe de tempo para assistir a toda programação, eles indicam quatro títulos que os "tocaram pessoalmente" (veja datas, salas e horários mais abaixo):
— Em primeiro lugar, Anatomia de uma Queda, por misturar os gêneros da investigação policial, do filme de tribunal e do drama psicológico de uma maneira muito original e também por ter sido realizado por uma mulher muito talentosa, Justine Triet, que já nos encantou no festival em 2017 com Na Cama com Victoria. Culpa e Desejo (adaptação do excelente filme dinamarquês Rainha de Copas), de Catherine Breillat, diretora consagrada que volta a dirigir após 10 anos de ausência, explora a questão do relacionamento entre uma mulher madura e um jovem de 17 anos, com uma visão bem singular e polêmica e tem como protagonista Léa Drucker. Outro filme de diretora, O Desafio de Marguerite, da jovem Anna Novion, apresenta uma reflexão sutil sobre a busca pela identidade, a resiliência e a capacidade de se reinventar diante do fracasso. Por fim, indicamos o maravilhoso filme de Cédric Kahn, Making Of, que o festival tem o prazer de exibir no Brasil antes da sua estreia na França e que mostra os bastidores de uma filmagem que sai dos trilhos.
Três filmes imperdíveis do Festival Varilux
Anatomia de uma Queda (2023)
De Justine Triet. Só por ter recebido a Palma de Ouro no Festival de Cannes o filme já mereceria sua atenção. Mas há mais atrativos neste drama de tribunal sobre uma escritora que é a principal suspeita de matar o marido em um chalé isolado nos Alpes franceses — o corpo foi descoberto pelo filho do casal, o menino cego Daniel (Milo Machado Graner).
A investigação traz à tona as fissuras do casamento, coloca um peso sobre o garoto — seu testemunho pode ser decisivo para culpar ou inocentar a mãe — e permite ao roteiro escrito pelo casal Justine Triet e Arthur Harari discutir um tema muito contemporâneo: o que é verdade? Em texto recente publicado em ZH, o crítico e pesquisador Marcus Mello também destacou a atriz alemã Sandra Hüller, que, "interpretando em dois idiomas que não são o seu, o inglês e o francês, cria uma personagem multifacetada, protagonista absoluta de um drama conjugal de contornos bergmanianos, que a coloca desde já como favorita ao Oscar".
Sessões em Porto Alegre: dia 10/11, às 19h55min, no Espaço Bourbon Country, e dia 11/11, às 20h30min, no Cineflix do Shopping Total. Sessão em Pelotas: dia 10/11, às 20h55min, no Cineflix do Shopping Pelotas.
As Bestas (2022)
De Rodrigo Sorogoyen. Nesta coprodução franco-espanhola exibida no Fantaspoa 2023, Antoine (Denis Ménochet) e Olga (Marina Foïs) são um casal francês que vive em uma aldeia no interior da Galícia, na Espanha. Eles levam uma vida tranquila, cultivando vegetais e reabilitando casas abandonadas, mas sua recusa em concordar com a implementação de um parque eólico acentuará os desentendimentos com os vizinhos, especialmente com os irmãos Xan (Luis Zahera) e Loren (Diego Anido).
Desde a cena de abertura, ao mesmo tempo selvagem e poética, em que homens se atiram sobre cavalos bravios para tentar domá-los, As Bestas justifica a vitória arrasadora no Goya, o prêmio da Academia Espanhola. Foram nove troféus: melhor filme, direção, ator (Ménochet), ator coadjuvante (Zahera, cru e assustador), roteiro original, fotografia, edição, som e música. Sorogoyen retrata como podem ser tensas as relações humanas, sobretudo quando temperadas pela xenofobia e por visões de mundo muito diferentes: para Xan e Loren, vender as terras é a chance de escapar da miséria e do "cheiro de merda"; para Antoine e Olga, que vieram da cidade, a simplicidade rural foi uma escolha.
Sessões em Porto Alegre: 10/11, às 18h15min, dia 13/11, às 18h15min, dia 14/11, às 20h50min, e dia 21/11, às 14h, no Espaço Bourbon Country; dia 15/11, às 20h20min, e dia 17/11, às 20h25min, no Cineflix do Shopping Total; dia 24/11, às 19h, na Cinemateca Paulo Amorim. Sessões em Pelotas: dia 13/11, às 18h45min, e dia 14/11, às 21h20min, no Cineflix do Shopping Pelotas. Sessão em Caxias do Sul: dia 3/12, às 19h30min, na Sala Ulysses Geremia.
E Deus Criou a Mulher (1956)
De Roger Vadim. Na pequena comuna de Saint-Tropez, a sedutora órfã Juliette (Brigitte Bardot, alçada à condição de estrela) é o objeto de desejo de todos os homens. Ela provoca o milionário Eric (Curd Jürgens) e se sente atraída por Antoine (Christian Marquand). Para fugir do orfanato, ela aceita se casar com Michel (Jean-Louis Trintignant), o irmão mais jovem de Antoine. Por causa de seu erotismo, o filme foi banido de alguns países católicos à época e sofreu censura em outros.
Sessões em Porto Alegre: dia 11/11, às 16h, no Cineflix do Shopping Total, dia 19/11, às 15h45min, no Espaço Bourbon Country, e dia 19/11, às 17h, na Cinemateca Paulo Amorim. Sessão em Pelotas: dia 19/11, às 16h45min, no Cineflix do Shopping Pelotas
Mais três destaques dos curadores
Culpa e Desejo (2023)
De Catherine Breillat. Marca o retorno da cineasta, após uma pausa de 10 anos (seu filme anterior, Uma Relação Delicada, é de 2013). Estrelado por Léa Drucker (que estava no Festival Varilux de 2022 com O Mundo de Ontem), o novo drama "mergulha na intimidade provocante e erótica, tendo como pano de fundo um escândalo familiar", diz a sinopse. A protagonista, Anne, é uma renomada advogada espPecializada em violência sexual contra menores. Ao conhecer o filho de 17 anos de seu atual parceiro, ela inicia um relacionamento com ele. Se for tão bom quanto o original dinamarquês, Rainha de Copas (2019), de May el-Toukhy, vale muito seu ingresso (a não ser, claro, que você já tenha visto esse longa-metragem).
Sessões em Porto Alegre: 9/11, às 20h, e 20/11, às 17h55min, no Cineflix do Shopping Total; 10/11, às 21h, 12/11, às 20h40min, 14/11, às 14h, 17/11, às 20h55min, e 22/11, às 14h, no Espaço Bourbon Country; dia 21/11, às 19h15min, e 26/11, às 19h15min, na Cinemateca Paulo Amorim. Sessões em Caxias do Sul: 17/11, às 21h30min, e 24/11, às 21h30min, na Sala Ulysses Geremia. Sessões em Pelotas: 12/11, às 21h40min, 17/11, às 21h25min, e 22/11, às 14h30min, no Cineflix do Shopping Total
O Desafio de Marguerite (2023)
De Anne Novion. Está longe de ser imperdível, mas Ella Rumpf, atriz de Raw (2016), Soul of a Beast (2021) e da série Tokyo Vice (2022), tem ótimo desempenho no papel de Marguerite, uma brilhante aluna de Matemática na renomada Escola Normal Superior de Paris. Ela está finalizando uma tese que deverá apresentar diante de um público de pesquisadores. No grande dia, um erro abala todas as suas certezas, e então a personagem decide abandonar a faculdade e recomeçar do zero.
Sessões em Porto Alegre: 9/11, às 20h25min, 11/11, às 14h, 15/11, às 15h55min, e18/11, às 14h, no Espaço Bourbon Country; 10/11, às 20h10min, e 16/11, às 18h10min, no Cineflix do Shopping Total. Sessões em Caxias do Sul: 2/12, às 21h35min, e 3/12, às 15h, na Sala Ulysses Geremia. Sessões em Pelotas: 9/11, às 21h25min, 15/11, às 16h55min, e 18/11, às 15h, no Cineflix do Shopping Total
Making Of (2023)
De Cédric Kahn. Denis Podalydès (outro integrante do elenco de O Mundo de Ontem) interpreta Simon, um cineasta veterano começa a rodar um filme sobre a luta dos trabalhadores para salvar sua fábrica. Mas nada sai como planejado. Seus produtores desejam reescrever (ou adocicar) o final, o ator principal é um egocêntrico, seu casamento está em ruínas e sua equipe está prestes a entrar em greve. Entrementes, Joseph (Stefan Crepon), um figurante que trabalha como pizzaiolo, surge em cena e vê uma chance de entrar na indústria cinematográfica ao ser alçado de surpresa à condição de diretor do making of. Meio comédia, meio drama, o filme se alonga mais do que necessário, mas pinta retratos interessantes dos bastidores do cinema francês e traça paralelos pertinentes com a história que está sendo contada no filme fictício.
Sessões em Porto Alegre: 9/11, às 20h05min, 11/11, às 18h, 12/11, às 20h35min, 17/11, às 16h15min, e 21/11, às 16h45min, no Espaço Bourbon Country; 14/11, às 18h05min, e 22/11, às 16h, no Cineflix do Shopping Total; 21/11, às 17h, e 26/11, às 17h, na Cinemateca Paulo Amorim. Sessão em Caxias do Sul: 28/11, às 19h30min, na Sala Ulysses Geremia. Sessões em Pelotas: 11/11, às 19h, 17/11, às 16h45min, e 21/11, às 17h15min, no Cineflix do Shopping Pelotas