Entre Roma e Paris, com oito dias de diferença, nasceram há 80 anos duas das maiores musas que o mundo já cultuou. Sophia Loren, oito décadas de vida completadas neste sábado (20), e Brigitte Bardot, no domingo que vem (28), são dois dos mais bem acabados exemplos da capacidade de sedução do cinema. Relembre, a seguir, momentos da vida das divas eternas de alguns dos clássicos mais icônicos do século 20.
Top 5: filmes essenciais de La Bardot e La Loren
Arte: Leonardo Azevedo/Arte ZH
Sophia Loren
É uma filha legítima do neorrealismo italiano. Longe de seu pai, que tinha outra família, ela teve uma infância difícil em uma Roma devastada pela II Guerra Mundial, tal qual as paisagens dos clássicos de Rossellini, talvez algo próximo ao que se viu em Duas Mulheres (1960). Nesse ótimo e duríssimo filme de Vittorio De Sica, que garantiu a La Loren seu único Oscar (o primeiro para uma intérprete em um filme não falado em inglês), ela encarna uma mãe coragem que tenta defender a integridade da filha de 13 anos em meio ao contexto de selvageria do conflito.
Tudo mudou para a pequena e miserável Sophia quando, ainda adolescente, ela foi descoberta em concursos de beleza pelo produtor Carlo Ponti. Com 22 anos a mais do que a futura musa, Ponti encarnou, de uma só vez, a figura do padrinho artístico, pai e marido - foi o único homem com quem ela se casou.
Nascida Sofia Villani Scicolone, em seus primeiros longas foi creditada como Sofia Lazzaro - porque, diz a lenda, era dona de tanta beleza que até os mortos ressuscitavam para vê-la (como fez o personagem bíblico Lázaro de Betânia). Aos 20 anos, depois de mais de 20 filmes e com o nome artístico devidamente modificado, encontrou De Sica em O Ouro de Nápoles (1954), produção que a alçou à condição de símbolo sexual na Itália.
A Lenda da Estátua Nua (1957), de Jean Negulesco, é apontado como seu primeiro filme nos EUA, embora ela tenha feito figuração (não creditada) em Quo Vadis (1951). Nos cinco anos seguintes à pomposa estreia em Hollywood, Sophia ganhou o mundo. Contracenou com Frank Sinatra e Cary Grant (que a pediu em casamento e foi rejeitado) em Orgulho e Paixão, de Stanley Kramer; com John Wayne em A Lenda dos Desaparecidos, de Henry Hathaway; com William Holden em A Chave, de Carol Reed; com Anthony Quinn em A Orquídea Negra, de Martin Ritt (atuação que lhe valeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza).
Nos anos 1960, o ritmo alucinante foi mantido com atuações em grandes produções hollywoodianas, como A Queda do Império Romano, de Anthony Mann, e A Condessa de Hong Kong, de Charles Chaplin. Tudo intercalado com longas europeus e o estreitamento das parcerias com De Sica e Marcello Mastroianni, com quem filmou uma série de títulos inesquecíveis, a exemplo de Matrimônio à Italiana (1964) e Os Girassóis da Rússia (1970).
Sophia Loren ganhou a admiração universal por suas curvas, mas também por um encanto "de cantora de jazz", que advém da transformação da dor e das agruras diversas em uma arte de beleza profunda. Ela é, além de tudo, uma atriz de talento maiúsculo, que, para usar a expressão do título original de sua autobiografia (que deve ser lançada em novembro no Brasil, pela editora Record), soube transformar uma vida que tinha tudo para ser difícil em um conto de fadas moderno.
Brigitte Bardot
Vem de uma família tradicional da França. Estudou balé quando criança, já trabalhava como modelo aos 15 anos e, aos 16, estava na capa da Elle francesa. Dois anos depois, casava-se com o cineasta Roger Vadim e posava, de biquíni, para o pôster de um filme no qual tinha o papel-título (Manina, de Willy Rozier). Aos 19, em 1953, aparecia ao lado de Kirk Douglas no romance de guerra franco-hollywoodiano Mais Forte que a Morte, de Anatole Litvak.
Tudo só não foi ainda mais rápido porque "o" filme de seu estouro, E Deus Criou a Mulher, primeira parceria profissional com Vadim, só saiu em 1956. La Bardot, naquele momento, contava 22 anos e já havia atuado com Dirk Bogarde (em A Noiva do Comandante) e sido dirigida por René Clair (As Grandes Manobras) e Robert Wise (Helena de Troia). Era uma "locomotiva", conforme termo usado certa vez por Simone de Beauvoir. Ou a mulher que personalizava a liberalidade comportamental, ainda incipiente e por isso um tanto confusa, que explodiria definitivamente nos anos seguintes.
Brigitte também despertou a "Síndrome de Lolita", conforme tese que a mesma Simone de Beauvoir defendeu no livro homônimo de 1960. "Ela é a ídola da juventude norte-americana, um produto de exportação tão importante quanto os carros da Renault", escreveu a filósofa feminista. Vale observar que a atriz trabalhou predominantemente em seu país porque preferia assim. Hollywood fez de tudo para levá-la, desde sempre e para sempre. Mas a musa queria a França.
Como intérprete, não alcançou nem de perto o reconhecimento de Sophia Loren. Mas sua capacidade de influência, na cultura pop, foi incomparável. Até os dentes separados da boneca de pele macia e cabelos loiros esvoaçantes se tornaram icônicos na moldura da pin-up. Entre o objeto de consumo e o símbolo contra a caretice e a hipocrisia social, houve espaço de sobra para a exploração da persona da mulher superdesejada - com uma ironia mais sutil, como fez Jean-Luc Godard em O Desprezo (1963), ou nem tanto, caso da parceria com Serge Gainsbourg na canção Je tAime... Moi Non Plus. Importante notar que a carreira musical, para a qual enveredou na década de 1960, também inclui preciosidades como Ne me Laisse Pas Laimer e, igualmente em parceria com Gainsbourg, Bonnie & Clyde.
Foram muitas as polêmicas, inclusive em filmes, até 1973, quando ela encerrou a carreira cinematográfica "ainda em alta" - do ponto de vista da aparência, bien sûr. Virou ativista em defesa dos animais, mas não saiu da mídia, que impiedosa documentou a decadência física que ela tanto temia. Brigitte Bardot sempre foi julgada - não seria diferente na velhice. Sofreu com isso a vida toda, embora os efeitos da exploração de sua imagem tenham se feito notar mais destacada e melancolicamente nos últimos anos.