Em cartaz a partir desta quinta-feira (30) nos cinemas, O Urso do Pó Branco (Cocaine Bear, 2023) faz uma contribuição muito singular à galeria dos ursinhos e ursões que ficaram famosos nas telas.
Temos a divertida turma dos desenhos animados, como Balu (de Mogli, o Menino da Selva), Ursinho Pooh, Zé Colmeia, O Urso do Cabelo Duro, Os Ursinhos Carinhosos e Kung Fu Panda.
Temos o filhote que presencia a morte da mãe em um desmoronamento e precisa aprender a sobreviver no já clássico O Urso (1988), do francês Jean-Jacques Annaud.
Temos os animais que devoraram o ativista Timothy Treadwell, que se isolou no Alasca para viver perto deles e que é o personagem do documentário O Homem Urso (2005), do alemão Werner Herzog.
Temos o desbocado e hedonista urso de pelúcia que ganhou vida para acompanhar um adulto que se recusa a amadurecer (Mark Wahlberg) nas comédias Ted (2012 e 2015), do estadunidense Seth MacFarlane.
Temos o urso selvagem que ajudou Leonardo DiCaprio a conquistar o Oscar de melhor ator por O Regresso (2015), do mexicano Alejandro González-Iñárritu.
E temos As Aventuras de Paddington 2 (2017), do inglês Paul King, que se tornou um pequeno fenômeno de público (faturou US$ 227,9 milhões) e um grande fenômeno na internet, onde gerou incontáveis piadas e memes a respeito de ser "o melhor filme de todos os tempos" — o que, por sua vez, rendeu uma das cenas mais engraçadas de O Peso do Talento (2022): aquela em que Nicolas Cage e Pedro Pascal choram ao assistir à história do ursinho falante.
De certa forma, O Urso do Pó Branco combina características de todos esses antecessores.
Como Paddington 2, virou um fenômeno comercial (com US$ 80,2 milhões arrecadados, é a oitava maior bilheteria de 2023), mas principalmente midiático, a ponto de ter ilustrado um momento-chave na abertura da 95ª cerimônia do Oscar. E ter "aparecido" para ajudar sua diretora, Elizabeth Banks (que assinou a refilmagem de As Panteras em 2019 e é mais conhecida como atriz da comédia O Virgem de 40 Anos e das franquias A Escolha Perfeita e Jogos Vorazes), na apresentação do prêmio de melhores efeitos visuais.
Como O Regresso, o filme escrito pelo novato Jimmy Warden (coautor de A Babá: Rainha da Morte) é inspirado em uma história real: em 1985, um policial da divisão de narcóticos que se tornou traficante de drogas derrubou acidentalmente 40 mochilas de cocaína de seu avião na Floresta Nacional de Chattahoochee, no Estado da Geórgia, nos EUA. Meses depois, um urso preto foi encontrado morto na região, tendo ao lado pacotes abertos da carga desaparecida. Uma autópsia revelou a presença da droga na corrente sanguínea do animal.
Como Ted, O Urso do Pó Branco não tem pudor para investir em um humor grotesco — ou mesmo sangrento: para arrancar risos, vale arrancar braços, pernas e tripas.
Como O Homem Urso, trata dos limites da interação entre o homem e a natureza, mas claro que sem o alcance filosófico e a qualidade artística do documentário de Herzog.
Como O Urso, coloca em jogo a sobrevivência de um filhote.
E como nos desenhos de Zé Colmeia e companhia, o personagem do título é animado, muito animado, animado até demais!
O Urso do Pó Branco abraça o absurdo, o ridículo e o bruto desde seus primeiros momentos. Após reencenar o despejo acidental das mochilas de cocaína na floresta, o filme mostra o encontro de um casal de montanhistas com um urso surtado — não demora para sabermos que o animal vem cheirando o pó branco como se fosse o personagem de Al Pacino em Scarface (1983). Qual deve ser a reação diante da aproximação da fera?
— If it's brown, lay down; if it's black, fight back (se for pardo, deite; se for preto, revide) — recita o homem, pouco antes de a mulher ser destroçada pelo urso de (nítida) computação gráfica criado pela Weta, a empresa neozelandesa de efeitos visuais fundada pelo cineasta Peter Jackson, com o trabalho de captura de movimento do ator e dublê Allan Henry, ex-aluno de Andy Serkis, o mestre dessa arte.
A partir daí, com uma insuspeitada criatividade e em um ritmo razoavelmente cadenciado, o roteiro costura os caminhos de quatro núcleos de personagens. A enfermeira Sari (Keri Russell, três vezes indicada ao Emmy de melhor atriz pela série The Americans) é uma mãe solteira à procura de sua filha de 12 anos, Dee Dee (Brooklynn Prince), e seu amigo (Christian Convery), que saíram para passear. Liz (Margo Martindale, que ganhou dois Emmys de atriz convidada por The Americans) é uma guarda florestal que está tentando ter um momento íntimo com um defensor dos animais, Peter (Jesse Tyler Ferguson, de Modern Family). Eddie (Alden Ehrenreich, de Han Solo: Uma História Star Wars) e Daveed (O'Shea Jackson Jr., filho do rapper Ice Cube) são dois traficantes de drogas forçados pelo pai do primeiro (o falecido Ray Liotta) a recuperar a cocaína perdida. E o delegado Bob (Isiah Whitlock Jr., do seriado A Escuta e do filme Destacamento Blood) está no encalço dos criminosos — mas, antes, ele precisa resolver com quem deixar a cachorrinha que adotou equivocadamente: queria um cão tipo labrador, veio um maltês.
Todos vão se encontrar em Chattahoochee, é claro, mas nem todos sairão de lá vivos.
— Meu objetivo é fazer o público rir, gritar e pular (de susto) — declarou Elizabeth Banks em entrevistas. — Fiz este filme durante a pandemia, quando tudo parecia assustador e traumático. Senti que não havia metáfora maior para o caos ao nosso redor do que um urso drogado com cocaína. Portanto, se isso ajudar as pessoas a processar os últimos dois anos e meio de suas vidas, vou me sentir muito bem com isso. Espero que elas apenas se divirtam.
Metáforas serão difíceis de encontrar no meio da floresta, mas, se você estiver no estado de espírito para uma mistura de humor e violência que remete à de célebres desenhos animados (pense em Tom & Jerry ou em Pica-Pau), pode se flagrar dando risadas. Eu não pude me conter com uma das escolhas da trilha sonora, a pulsante Just Can't Get Enough (1981), da banda inglesa Depeche Mode, cujos versos iniciais traduzem direitinho a fissura do urso em relação à cocaína: "Quando estou com você, baby / Fico fora de mim / E não consigo o bastante / Não consigo o bastante".