Estreia nesta sexta-feira (19) na Netflix Rebel Moon — Parte 2: A Marcadora de Cicatrizes (Rebel Moon — Part 2: The Scargiver, 2024), sequência da mistura de saga espacial, faroeste e filme de guerra lançada pelo diretor Zack Snyder em dezembro passado.
Cineasta habituado a adaptar personagens dos quadrinhos — realizou 300 (2006), Watchmen: O Filme (2009), O Homem de Aço (2013), Batman Vs Superman (2016) e Liga da Justiça (2017, coassinando com Joss Whedon) —, Snyder já descreveu Rebel Moon como "Os Sete Samurais encontra Os Doze Condenados no espaço". Há quem reclame que A Menina do Fogo (2023) e A Marcadora de Cicatrizes, rodados com um orçamento de US$ 166 milhões, tenham um enredo, personagens e até cenários muito familiares a quem assiste a filmes de faroeste, guerra e ficção científica. Mas também há quem defenda como uma espécie de homenagem e diálogo com as muitas obras que vieram antes, uma noção reforçada pelo fato de que a ideia começou a ser germinada ainda nos anos 1980, quando o diretor ainda era um estudante universitário.
Eu achei um sacrifício assistir aos dois títulos. Que se tornam ainda mais cansativos pelo pendor de Snyder a usar câmera lenta mesmo nas cenas mais corriqueiras.
Trata-se de uma trama muito banal de resistência, heroísmo e redenção, com direito a um robô, Jimmy (voz de Anthony Hopkins) claramente calcado no CRPO de Star Wars e um vilão extremamente caricato, o Almirante Noble (Ed Skrein). A atriz nascida na Argélia Sofia Boutella interpreta a personagem principal, Kora, uma forasteira que decide ajudar um pacato vilarejo agrícola da lua de Veldt a lutar contra o poderio militar e implacável do Mundo-Mãe. Para tanto, ela e o fazendeiro Gunnar (Michiel Huisman, apático) recrutam guerreiros de outros lugares, como um ex-general, Titus (Djimon Hounsou, sempre trazendo um pouco de honra a seus papéis), um domador de perigosas criaturas aladas, Tarak (Staz Nair), e uma espadachim com braço cibernéticos, Nemesis (a sul-coreana Bae Doona). Em A Marcadora de Cicatrizes, os combatentes, às vésperas da grande batalha, precisam preparar a população e encarar seu próprio passado — cada um revela por que luta.
Se você curtiu o primeiro filme por causa da ação, dou um conselho sobre o segundo: os confrontos — corpo a corpo, com espadas ou armas laser, aéreos — só começam na metade dos 122 minutos de duração. É tudo genérico e nada memorável, mas pelo menos incessante até o final. A hora inicial é quase toda dedicada a diálogos sofríveis, atuações não raro constrangidas e flashbacks dolorosos (para os personagens, mas talvez para os espectadores também).
Agora, se você é fã de Zack Snyder e de suas versões estendidas (ele fez isso com Watchmen e com Liga da Justiça), vale abrir uma contagem regressiva para setembro, quando A Menina do Fogo e A Marcadora de Cicatrizes serão relançados, somando mais de seis horas no total, como o diretor revelou, com brilho nos olhos, em uma entrevista coletiva concedida via aplicativo Zoom no dia 4 de abril.
Foi meu único prazer por ter visto Rebel Moon: participar de uma conversa, mesmo que online, com nomes hollywoodianos — também estavam presentes Boutella e Huisman.
Na entrevista, Snyder contou que essas versões terão cenas de sexo, cortadas por exigências da Netflix, e — pasme — uma canção interpretada em quatro idiomas. A pergunta que eu fiz a ele foi sobre uma das inspirações da saga, o mito de Anastasia, a princesa russa que teria sobrevivido ao massacre dos Romanov, em 1918. Pedi que o diretor falasse sobre essa aproximação e sobre por quê essa lenda parece tocar tanto as pessoas.
A resposta foi bastante enrolada, confusa. Transcrevo aqui na íntegra, primeiro em inglês, depois em tradução livre:
_ Yeah, i think this idea of..,. this idea of this sort of mythic, magical figure that... This unkillable idea can be transcendent in all the sort of messianic myths, you know, the idea of death and resurrection are very prevalent, it's a thing that I even, like, explored quite a bite in my filmography, if you will, this idea of death and resurrection been such a important mythological cornerstone. I always felt this will be a cornerstone to the Rebel Moon saga. (Sim, eu acho que essa ideia de... Essa ideia desse tipo de figura mítica e mágica que... Essa ideia impossível de matar pode ser transcendente em todos os tipos de mitos messiânicos, sabe, a ideia de morte e ressurreição é muito prevalente, é uma coisa que eu até, tipo, explorei bastante na minha filmografia, se você for analisar, essa ideia de morte e ressurreição tem sido um pilar mitológico muito importante. Sempre achei que este seria um pilar da saga Rebel Moon.)
Tive mais sorte nas perguntas aos dois atores.
Para Sofia Boutella, que atuou em Atômica (2017), A Múmia (2017) e Clímax (2018), a questão foi: de uns tempos para cá, o cinema de ação e aventura passou a dar protagonismo para mulheres, como visto em Mad Max: Estrada da Fúria e Capitã Marvel, por exemplo. Kora é uma das mais novas heroínas. Na sua opinião, no que as personagens femininas se diferenciam dos tradicionais protagonistas masculinos? E você acredita que, assim como aconteceu com os homens, as atrizes que envelhecerem vão continuar sendo escaladas para esse tipo de filme?
— Sim, eu me sinto feliz por tantas mulheres terem pavimentado o caminho para eu andar e para outras atrizes andarem. Mas também sinto que há muito ainda a ser feito, precisamos de mais diversidade nos papéis, precisamos de papéis mais interessantes. Atrizes continuam sendo confinadas a um tipo de personagem, como a mãe ou a mãe triste. Muito progresso aconteceu, mas existe um longo caminho a percorrer.
Para Michiel Huisman, protagonista da minissérie A Maldição da Residência Hill (2018), perguntei: acho interessante como Gunnar me lembra Daario Naharis, seu personagem na série Game of Thrones, não nos modos, mas no sentido de aceitar um papel coadjuvante em relação a Kora. Os homens finalmente aprenderam a ser liderados pelas mulheres?
— Boa pergunta! — riu Boutella.
Huisman também brincou:
— É uma grande questão. Você deveria me fazer perguntas mais simples!
Depois, prosseguiu:
— Kora é a melhor coisa que apareceu em sua vida e ele quer ser liderado por ela. A parte 2 de Rebel Moon é realmente quando a merda atinge o ventilador para todos esses personagens, que agora enfrentam algo que poderá ser o fim de suas vidas. Esses dois personagens não têm tempo de sobra, eles precisam lidar com seus verdadeiros sentimentos.
Boutella retomou a palavra para encerrar:
— E se o mundo fosse governado por mulheres, seria um lugar muito mais pacífico. E muito mais divertido.