Mad Max: Estrada da Fúria (2015), que a RBS TV exibe neste domingo (10), às 22h50min, é um dos grandes sucessos da mais versátil atriz de sua geração: Charlize Theron. Aos 45 anos, a sul-africana é eficiente e carismática em todos os tipos de papel. Pode ser em dramas ou comédias, pode ser como heroína de ação ou vilã de fantasia. Pode ser transformando seu corpo e seu rosto para encarnar uma assassina serial da virada da década de 1980 para a de 1990 (Monster: Desejo Assassino, de 2003, que lhe valeu o Oscar) ou uma jornalista de TV que, em 2016, ajudou a denunciar um chefão que praticava regularmente assédio sexual (O Escândalo, de 2019, sua terceira indicação ao prêmio da Academia de Hollywood — concorreu também por Terra Fria, de 2005).
A atração do Domingo Maior deste fim de semana é o filme de Charlize com maior avaliação no Rotten Tomatoes (97%, empatado com o desenho animado Kubo, ao qual, evidentemente, empresta apenas a voz); sua quinta maior bilheteria (US$ 378 milhões); e a obra que mais conquistou estatuetas douradas. Foram seis Oscar: melhor edição, design de produção, figurino, maquiagem, edição de som e mixagem de som. Disputou ainda os prêmios de melhor filme, diretor (George Miller), fotografia e efeitos visuais.
Neste pós-apocalíptico faroeste de comboio — uma espécie de versão siderada do clássico No Tempo das Diligências (1939) —, o cineasta australiano George Miller retoma o protagonista da trilogia Mad Max, realizada entre 1979 e 1985 e filiada a uma tradição de evocar, por meio da violência e da punição, o passado de seu país, que foi colônia penal da Inglaterra entre 1788 e 1868. Tom Hardy assume o papel que era de Mel Gibson, Max Rockatansky.
É ele que abre o filme, com uma narração em off, ainda sobre os letreiros, dizendo que já havia sido um policial, "um guerreiro da estrada em busca de uma causa justa, até o ponto de enlouquecer".
É ele a primeira pessoa que vemos em cena, de costas para nós, urinando à beira de um penhasco em um deserto de cores intensas e mastigando um lagarto, pouco antes de ser capturado pelos soldados de corpo embranquecido do tirano Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne, que fez o vilão Toecutter no primeiro Mad Max e que morreu no começo de dezembro, aos 73 anos).
E é ele que, ora, dá nome ao filme, mas Mad Max não é o principal personagem de Mad Max. Como o subtítulo sinaliza, a posição cabe à Imperatriz Furiosa interpretada por Charlize Theron, que se rebela contra Immortan Joe: resolve resgatar da Cidadela governada com mão de ferro as Cinco Noivas, as mulheres que o vilão mantinha aprisionadas para lhe trazer filhos "perfeitos". É o ponto de partida para uma caçada incessante e eletrizante pela inóspita mas ao mesmo tempo hipnótica paisagem da Namíbia, na África, onde o longa-metragem foi rodado e onde o diretor de fotografia John Seale aposta no contraste entre variações do laranja, indo do amarelo ao vermelho, e o azul. As primeiras cores refletem tanto a aridez do cenário (um lugar onde a água vale ouro) quanto o calor e a excitação da trama; a outra, presente no céu e nas sequências noturnas, servem tanto como um respiro em meio ao frenesi quanto como um indicador de profundidade, aquilo que nos ajuda a perceber no que prestar atenção.
Na jornada, Charlize, então na casa dos 40 anos, revelou-se uma estrela dos filmes de ação - um talento adormecido por uma década, desde Aeon Flux. Depois de dar tiro, soco e pontapé e pisar no acelerador como Furiosa, ela impressionou no corpo a corpo do brutal Atômica (2017), foi a vilã de Velozes e Furiosos 8 (2017) e a líder dos guerreiros imortais em The Old Guard (2020). Em breve, será vista em Atômica 2 e em Velozes e Furiosos 9. Curiosamente, ficou de fora de um novo filme com a personagem de Mad Max — George Miller escalou Anya Taylor-Joy (a protagonista do seriado O Gambito da Rainha) para mostrar a juventude de Furiosa.
A mudança de foco (de Max para Furiosa), a missão assumida pela protagonista (um golpe no patriarcado militarista), a união das mulheres por um objetivo comum e a presença de um núcleo de idosas duras na queda — esses e outros fatores (incluindo a escalação de Margaret Sixel, esposa de George Miller, como editora) fizeram muita gente definir Mad Max: Estrada da Fúria como um blockbuster hollywoodiano feminista. Eu, sinceramente, não tenho lugar de fala para opinar. Acho que, sim, não deixa de ser um mérito do filme provocar um debate sobre representatividade, mas prefiro recomendar a vocês que leiam os argumentos de mulheres — como o artigo Imperatriz Furiosa e as mulheres feministas em Mad Max: Estrada da Fúria, do coletivo Blogueiras Feministas, e as 77 provas de que Mad Max é um filme (bastante) machista, da socióloga Marília Moscou.
O que eu me atrevo a dizer é que Estrada da Fúria é o mais fascinante filme de ação dos últimos tempos. Mesmo assistindo em casa, em uma TV, fui abduzido pelo trabalho da dobradinha formada pelo fotógrafo Seale e pela montadora Sixel (que era totalmente inexperiente no gênero e acabou recebendo um merecido Oscar). A ação está sempre no centro da cena, que é limpa, embora selvagem, e os cortes — nas imagens! — são precisos. O olhar do espectador está o tempo todo concentrado no meio da tela, e a montagem acompanha o deslocamento de personagens e objetos para que essa centralidade seja rapidamente restituída. A combinação dessas duas técnicas cinematográficas cria a ilusão de que aquilo que vemos (os duelos, as perseguições, os ataques, as explosões) está mesmo acontecendo — ainda mais que podemos ver muito bem o que está acontecendo. É uma tremenda lição a cineastas que apresentam sequências sujas e confusas como sinônimo da urgência e do caos de um combate.
E Mad Max ensina tanto nas cenas mais epidérmicas quanto nos planos abertos, em que dúzias de astros e dublês (estes últimos também justamente premiados, pelo Sindicato dos Atores) devidamente fantasiados desfilam como se estivessem em um acelerado e alucinado Carnaval do Rio. Max e Furiosa são mestre-sala e porta-bandeira, e as Cinco Noivas, a ala das baianas, que devem ser preservadas, protegidas. As planícies desérticas e as formações rochosas fazem as vezes da Marquês de Sapucaí, com os automóveis envenenados, os caminhões-tanque e as motos no papel dos carros alegóricos de onde surgem e pulam, de um veículo para outro, os War Boys de Immortan Joe, feito devotados passistas, e que carregam também um time percussionistas — uma bateria de escola de samba — e um magrão ensandecido que, em vez de um cavaquinho, toca uma guitarra de heavy metal, realmente um gênero mais adequado para ditar o ritmo desse cortejo motorizado em que todos os componentes estão na mais perfeita e perversa harmonia.