A dica de hoje é para quem curte filmes de super-herói e gostou da coluna desta segunda-feira (15), sobre a polêmica em torno do vindouro Deadpool & Wolverine: Domínio Público (Public Domain), história em quadrinhos criada em 2022 por Chip Zdarsky, pseudônimo do canadense Steve Murray, 48 anos, que despontou como artista de Sex Criminals, feita em parceria com Matt Fraction, e ganhou fama como roteirista do Homem-Aranha, do Demolidor e do Batman. Aqui, ele assume as duas funções, texto e desenho, inclusive as cores, e exibe virtudes em ambas. Repare, por exemplo, na clareza dos diálogos, que conduzem a narrativa sem a necessidade de qualquer recordatório e cujas vozes traduzem as personalidades distintas de cada personagem; e repare também em como, apesar dos traços serem econômicos, há bastante expressividade nos rostos.
Publicada pela Image nos Estados Unidos, a HQ foi lançada no Brasil pela Pipoca & Nanquim em volume de capa dura que compila as cinco primeiras edições, com tradução de Dandara Palankof (124 páginas, R$ 79,90). Pode-se dizer que é uma história que sempre quisemos ler, ainda que já a conhecêssemos — se não todos os fatos, pelo menos as lendas.
Domínio Público tem a habilidade de unir o presente e o passado. Junta a hegemonia (embora hoje seriamente abalada) dos super-heróis em Hollywood — quatro das 10 maiores bilheterias são adaptações cinematográficas de personagens da Marvel — com os tempos em que Stan Lee (1922-2018), Jack Kirby (1917-1994) e Steve Ditko (1927-2018) estabeleceram as bases desse universo.
Zdarsky emprega o tom de sátira, mas jamais deixa de jogar luz sobre o lado triste e até perverso da indústria da cultura pop. Tampouco abre mão de dotar seus personagens de vida e sentimentos — mesmo aqueles que são os supostos vilões da trama, ou os tipos a serem combatidos. E as críticas aos aspectos mais podres não anulam o quanto esse mundo também nutre os artistas e os fãs.
O Domínio do título é um super-herói bolado décadas atrás pela dupla Jerry Jasper e Syd Dallas. Deu origem a filmes, brinquedos, jogos e uma fortuna incalculável. Mas só Jasper, creditado como autor dos roteiros, tornou-se milionário; o desenhista Dallas não é reconhecido como dono do personagem. É uma situação que remete à relação de Stan Lee e Jack Kirby (o primeiro ficou com toda a fama pelo Universo Marvel) e também à da criação do Batman, na qual os papéis estão invertidos: durante mais de 70 anos, o artista Bob Kane era considerado o único pai do Homem-Morcego, mas foi o roteirista Bill Finger, que morreu pobre, o responsável por muitos dos elementos emblemáticos.
Na trama de Domínio Público, à medida que recrudesce o drama particular de um de seus dois filhos, o fracassado e endividado escritor e jornalista Miles, Syd Dallas terá de lidar com questões que havia simplesmente deixado para trás. No caminho, Chip Zdarsky traz bastidores saborosos, apesar de ácidos (vide a entrevista com o ator que interpreta o Domínio ou as reuniões sobre direitos autorais), e discute transformações sofridas pelos super-heróis ao longo do tempo. O bacana é que, com sensibilidade, o quadrinista também aborda temas que à primeira vista não estão relacionados ao enredo central, como a criação dos filhos — há pelo menos um monólogo, o da esposa de Dallas, que faz Domínio Público transcender.