A Netflix acaba de adicionar a seu menu um tesouro: Batman: A Série Animada (1992-1995), criada por Eric Radomski e Bruce Timm.
Essas animações são uma espécie de amálgama das várias faces de Batman. Ali se encontram o tom sombrio e os personagens cartunescos, as narrativas detetivescas e as cenas de ação, o olhar para as crianças e a atenção para o público adulto.
Radomski é o cenógrafo: sua Gotham City mistura arquitetura art déco e cinema noir. Os figurinos e os carros também remetem aos anos 1940, mas convivem com computadores e outras tecnologias.
Timm é o diretor de elenco: inspirado nos desenhos animados do Superman produzidos pelos Estúdios Fleischer entre 1941 e 1942, ele dá vida a personagens de linhas simples e leves, que contrastam perfeitamente com os fundos geométricos e soturnos providenciados por seu colega.
"Uma das coisas que aprendi ao longo dos anos trabalhando com animação é que, toda vez que estávamos fazendo desenhos animados de aventura, sempre havia o desejo de fazer os desenhos parecerem mais com histórias em quadrinhos, e isso realmente funciona contra o que a animação faz de melhor", afirma Timm no livro Batman: The Complete Story (1999), de Les Daniels. "Quanto mais linhas você tiver em um personagem, mais difícil será desenhar repetidamente. Eu sabia que a simplicidade seria melhor."
A combinação de simplicidade e sombras também pauta as tramas escritas por roteiristas como Paul Dini e dirigidas principalmente por Kevin Altieri e Boyd Kirkland. Os episódios de 20 e tantos minutos trazem histórias fechadas (no máximo, divididas em duas partes), sem uma linearidade que cobra assiduidade e memória do espectador. Cada aventura, nas palavras do crítico Glen Weldon no livro A Cruzada Mascarada (2016), "encerrava com uma inversão do status quo: o caso resolvido, o desastre prevenido, a justiça cumprida". A ação, a narrativa visual, tem prioridade sobre os diálogos, mas Batman: A Série Animada não prescinde da caracterização psicológica dos personagens.
Entram aí o cuidado com a galeria de vilões e o trabalho de dublagem comandado por Andrea Romano. No site rogerebert.com, a crítica Jessica Ritchey descreveu assim o romance intermitente de Bruce Wayne/Batman e Selina Kyle/Mulher-Gato: "Há um frisson na incapacidade de os dois ficarem juntos, devido à recusa dele em desviar o olhar das atividades criminosas dela. As falas de Adrienne Barbeau exalam desejo, enquanto Kevin Conroy, nas cenas com ela, transforma a rudeza intimidante da sua voz de Batman em algo mais humano, mais capaz de ser ferido pela única pessoa que ele quer, mas não pode ter".
Vários vilões da animação tornaram-se notáveis. Famoso na pele de um dos principais heróis da saga Star Wars — Luke Skywalker —, Mark Hamill brilha como Coringa, encarnando a volatilidade do arqui-inimigo: em um instante, um palhaço bufão, no outro, uma força malévola da natureza. E foi em Batman: A Série Animada que estreou a Arlequina, a dublê de ajudante maluquete do Palhaço do Crime e vítima de um namoro tóxico que logo ganhou popularidade e com o passar do tempo adquiriu o status de anti-heroína.
A Netflix exibe 65 dos 85 episódios, começando por Asas de Couro, com o Morcego Humano. Muitos deles se tornaram antológicos. Um dos mais elogiados é Coração de Gelo (o 14º na plataforma de streaming), que introduz uma nova versão do vilão Sr. Frio, originalmente criado para os quadrinhos em 1959. Em vez de ser um mero criminoso com habilidades congelantes, agora ele é um homem desesperado em salvar sua esposa, a qual ele congelou para impedir que uma doença incurável a matasse — e que passa a cometer uma série de roubos por Gotham a fim de criar uma máquina que possa curá-la.
Já Cuidado com o Fantasma Cinzento (o 18º) apresenta um um genial lance metatextual: Adam West, o Batman do seriado da década de 1960, dublou Simon Trent, ex-astro da série de TV que o menino Bruce Wayne idolatrava, a do Fantasma Cinzento — personagem que alude a O Sombra, uma das grandes influências para Bob Kane e Bill Finger desenvolverem o Homem-Morcego.
O sucesso da primeira temporada da série — premiada com o Emmy pelo episódio O Ajuste de Contas do Robin: Parte I (o 32º na Netflix) — motivou a Warner a produzir um longa-metragem que chegou a ser lançado nos cinemas. Batman: A Máscara do Fantasma (1993) tem uma pegada mais adulta e sombria, evidenciada nos créditos de abertura que sobrevoam uma Gotham City em preto e vermelho e são embalados pela trágica trilha sonora composta por Shirley Walker, que incluiu um coro em "latim" — na verdade, são os nomes dos integrantes da orquestra lidos de trás para frente, uma forma divertida de dar crédito aos músicos. Uma curiosidade: Hans Zimmer, que entre 2005 e 2012 trabalharia na bat-trilogia de Christopher Nolan, é quem toca o sintetizador.
Este filme está disponível na HBO Max e foi um dos que analisei no meu primeiro livro, O Morcego e a Luz: 80 Anos de Batman no Cinema, lançado pela editora BesouroBox.