O coronavírus já gerou pelo menos duas coletâneas de curtas-metragens. Uma é a Antologia da Pandemia, com pegada de terror, exibida durante o Fantaspoa e já disponível em plataformas digitais. A outra, mais eclética e, sobretudo, mais poética, é Feito em Casa (Homemade, 2020), que a Netflix lançou recentemente.
Coproduzida pelo cineasta chileno Pablo Larraín, a obra traz 17 curtas, com duração entre quatro e 11 minutos. Os filmes são assinados por diretores e atores de diversas partes do mundo – Japão, França, México... – e geralmente fazem jus ao título da antologia, embora alguns realizadores passeiem por suas cidades.
Os autores ora refletem sobre os efeitos da pandemia, ora retratam a vida no distanciamento social, ora injetam doses de ficção científica (caso de Penelope, realizado pela atriz americana Maggie Gyllenhaal e estrelado por seu marido, Peter Sarsgaard) ou de thriller (Annex, de Antonio Campos, nova-iorquino filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes), ora são capazes de fazer rir à beça.
O francês de ascendência malinesa Ladj Ly abre a coletânea retomando um personagem de seu espantoso Os Miseráveis (um dos melhores filmes exibidos no Brasil nesta temporada), Buzz, que sobrevoa o subúrbio de Montfermeil com seu drone e, assim, registra contrastes provocados pelo isolamento. Um drone também vai marcar o encerramento de Feito em Casa: de família iraniana, a diretor Ana Lily Amirpour faz um passeio de bicicleta por uma Los Angeles deserta.
Usando bonequinhos, o italiano Paolo Sorrentino, de A Grande Beleza (2013), retrata um afetuoso e bem-humorado encontro, no Vaticano, entre duas figuras históricas acostumadas ao confinamento: o papa e a rainha da Inglaterra.
O alemão Sebastian Schipper surpreende na forma encontrada para quebrar a monotonia em seu apartamento, e a atriz americana Kristen Stewart encena – com algum narcisismo, diga-se de passagem – o estado de torpor que acometeu a muitos de nós (e que também rendeu momentos egocêntricos, diga-se a verdade).
Diretora de fotografia de Pantera Negra (2018), a americana Rachel Morrison escreve uma comovente carta para o filho de cinco anos, torcendo para que ele guarde as coisas boas e mágicas desse período difícil. Capaz de você começar a chorar e adentrar o curta seguinte com lágrimas no rosto.
O escocês David Mackenzie debruça-se sobre o tédio e a estranheza com que sua filha adolescente precisa lidar, e, em Londres, a inglesa de origem indiana Gurinder Chadha (de A Música da Minha Vida) se reconecta com os filhos e com as raízes.
O chileno Pablo Larraín, diretor de No (2012) e coprodutor de Ninguém Sabe que Estou Aqui (outro título do meu top 20 de 2020), transforma a chamada de vídeo de um idoso para uma ex-namorada da juventude em algo imprevisível e, ao mesmo tempo, esperado – o resultado é hilário.
Também chileno, Sebastián Lélio, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro por Uma Mulher Fantástica (2017), apresenta outra mulher fantástica: Amalia Kassai faz do lar o cenário de um improvável e impagável musical, com coreografias criativas e uma letra que aborda tanto os aspectos íntimos quanto os sociais, políticos e econômicos da pandemia.