Cenas filmadas dentro de apartamentos apertados, às vezes em videochamadas, sem orçamento, com recursos domésticos e soluções criativas: reunindo 13 curtas de terror realizados em meio ao confinamento, a Antologia da Pandemia chegou às plataformas digitais (iTunes, Google Play, Youtube Filmes, Vivo Play, Now e Looke ) na última quinta-feira (6).
O longa apresenta trabalhos de seis países: Brasil, Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Reino Unido e Chipre. São produções nas quais, em muitos casos, os realizadores acumulam funções (atuação, roteiro, direção, trilha sonora etc.) – isso quando não fizeram tudo sozinhos.
Equilibrando terror e comédia nos curtas, além de imprimir a estética caseira da pandemia, a antologia cumpre também o papel de moldura deste período, destacando recortes sociais e políticos da atual realidade.
A produção é assinada por João Pedro Fleck, Fernando Sanches, João Pedro Teixeira e Nicolas Tonsho. O projeto partiu da Fantaspoa Produções, responsável pelo Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre — a edição 2020 foi realizada virtualmente entre o final de julho e começo de agosto.
Para que o Fantaspoa desse ano pudesse acontecer, a organização do festival promoveu um financiamento coletivo, em março. Na campanha, surgiu a ideia de promover um concurso de curtas-metragens feitos durante o isolamento social.
– Sentimos a necessidade de impulsionar o envolvimento dos cineastas e do público na campanha. Devido à altíssima receptividade que os curtas tiveram, falamos com uma distribuidora parceira nossa, Raven Banner Entertainment, e assim decidimos converter 13 destes curtas em uma antologia – relata Fleck, um dos produtores do projeto.
Segundo Fleck, ao se pensar no trabalho como um longa-metragem de 80 minutos, foi levado em conta que os curtas apresentassem uma coesão entre eles:
– É um registro histórico feito nos primeiros meses da pandemia, que não pode ser repetido, pois reflete diretamente os sentimentos dos realizadores naquele momento.
Para o produtor, um dos aspectos mais surpreendentes dos curtas é a criatividade. Fleck cita que, em alguns casos, os realizadores optaram por interagir com os outros por meio do smartphone ou de aplicativos de videochamadas. Também há quem contou com a atuação de seus animais de estimação como atores principais. É o caso de Jérôme: Um Conto de Natal.
Gato, entidade e Argentina
Em sua estreia na direção (e roteiro, câmera e montagem), a crítica de cinema Beatriz Saldanha escalou seu gato Jérôme em seu divertido curta. Gravado com a câmera do celular, a produção aborda um bichano que envereda para o satanismo para sobreviver na pandemia após a morte de seu dono.
Natural de Fortaleza e vivendo em Jundiaí (SP), ela contou também com a parceria de seu marido, Carlos Primati. Segundo Beatriz, dirigir o ator felino foi mais simples do que imaginava:
– Ele já fazia algumas coisas que aparecem no filme, como mexer na lata de ração. Esses momentos nós aproveitamos para pegar no cotidiano. Já as outras coisas que não fazia, como uma hora que teve que pegar um livro da biblioteca, colocávamos petiscos. Ele ficava curioso, mexia e parecia que estava pegando um livro.
Entre os curtas internacionais há o argentino Eclosão, de Alejo Rébora, realizado pela produtora Sarna. São três locações, com cada ator em sua casa. A trama se passa num futuro em que a quarentena se prolongou. Girando em torno de um grupo de amigos, entrelaça a aparição de uma misteriosa criatura com uma mulher que busca iluminação espiritual.
Segundo conta Alejo, o processo para elaboração do curta foi em reverso:
– Em vez de pensar uma história e adaptá-la ao contexto pandêmico, refletimos sobre que elementos poderíamos usar e escrever ao redor disso. O roteiro nasce depois da produção, o que acontece ao contrário em um contexto normal.
Já o curta porto-alegrense Psicopompo, de Giordano Gio, aborda a perspectiva de como uma entidade (na figura que guia a alma de uma dimensão para outra) estaria pensando na pandemia. Na trama, o técnico de som Yuri (Fábio Altar, que mora com Gio) está registrando os panelaços quando passa a se comunicar com uma miniatura do deus egípcio Anúbis.
Gio conta que pensou ao redor de contos do século 19, em que um personagem isolado acaba sendo assombrado por um objeto. Sua intenção era trazer isso para a contemporaneidade, trabalhando a temática da banalidade da morte.
– Os psicopompos devem estar trabalhando muito este ano, pois a morte se tornou algo tão cotidiano. Nós passamos de 100 mil mortes por covid-19 no Brasil. Quando rodamos o curta, havia dezenas de milhares de óbitos. E com um governo que diz "e daí?" para isso, além de muitas pessoas que não deram atenção para o risco. Isso acaba tangenciando a história, embora a ideia seja o encontro com essa entidade – destaca Gio.
Filmes da "Antologia da Pandemia"
- Às Vezes Ela Volta, de Matheus Maltempi (Brasil)
- Baldomero, de Martín Blousson (Argentina)
- Eclosão, de Alejo Rébora (Argentina)
- Estúpidemia, de Junior Larethian (Brasil)
- Jérôme: Um Conto de Natal, de Beatriz Saldanha (Brasil)
- O Último Dia, de Guillermo Carbonell (Uruguai)
- A Mancha na Parede, de Daniel Pires (Brasil)
- Pique Esconde Macabro, de Julio Napoli Filho (Brasil)
- Psicopompo, de Giordano Gio (Brasil)
- Quarentena Sem Fim, de Fabrício Bittar (Brasil)
- Barata, de Emerson Niemchick (EUA)
- Roleta Russa, de Andreas Kyriacou (Chipre)
- Desenterrado, de Karl Holt (Reino Unido)
Assista ao trailer: