Se você já fez uma leitura dinâmica da coluna, deve ter reparado que minha lista dos melhores filmes do ano está com nove títulos, em vez dos tradicionais 10. É que ainda faltam pouco mais de 10 dias para acabar 2019, preferi reservar espaço para uma surpresa de última hora (caso não haja, tenho uma carta na manga, que certamente não é Coringa, apesar de seu mérito de levantar discussões, nem o mais do que discutível Green Book, embaraçoso vencedor do Oscar). Vamos ao ranking (se quiser saber mais sobre os eleitos, clique nos links)!
1º) Parasita
Começa como comédia farsesca. Depois, com um misto de fluidez e imprevisibilidade, deriva para o thriller de suspense, para o drama com crítica social, para o terror urbano, até que tudo se embaralha. Essa transição entre gêneros e entre tons (da caricatura à gravidade) é um dos trunfos do diretor sul-coreano Bong Joon-ho neste filme sem igual sobre a desigualdade.
2°) Midsommar
Lançando mão de todos os recursos disponíveis – do roteiro que deliberadamente espalha pistas sobre o que vai acontecer com os personagens durante uma celebração pagã na Suécia à fotografia que nos faz temer o inclemente sol, da trilha sonora com cordas dissonantes e percussão que nos envolve em um transe à montagem que dilata, distorce e desorienta –, o cineasta Ari Aster possibilita ao público uma rara experiência sensorial.
3º) História de um Casamento
Se Midsommar mostra uma separação como filme de terror, o longa de Noah Baumbach mostra o terror que pode ser uma separação. Adam Driver e Scarlett Johansson equilibram força e fragilidade como um casal que espelha dúvidas e angústias nossas: o que fazer do amor quando um relacionamento acaba? O quanto nos dispomos a viver a vida com o outro – a viver a vida do outro? O que justifica um fim? As palavras duras que dizemos um ao outro são a verdade ou um exagero temperado pela ira e pelo ressentimento? Como proteger os filhos se estamos em guerra?
4º) A Vida Invisível
O diretor Karim Aïnouz usa o passado – o Rio dos anos 1950 – para refletir sobre o Brasil de hoje, onde, a exemplo do que acontece com as irmãs Guida e Eurídice, as mulheres são agredidas, são desrespeitadas, são silenciadas. À crítica social, soma-se uma enorme carga emocional – trata-se de um "melodrama tropical", como os créditos de abertura definem –, transmitida com entrega e talento pelas jovens atrizes Carol Duarte e Júlia Stockler e pela veterana Fernanda Montenegro, em uma participação especial arrebatadora nos minutos finais do filme.
5º) Bacurau
Fenômeno nacional do ano (está em cartaz desde 23 de agosto), o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles faz um alerta sobre um futuro possível do país. Nesta distopia ambientada no Nordeste, a população precisa resistir a invasores americanos, que contam com a colaboração da elite e o descaso do Estado. É uma luta que deve ser coletiva, reunindo toda sorte de tipos marginalizados, investida de uma brasilidade típica (do suco de caju à evocação de Lampião) e baseada na educação, na cultura e na memória: uma escola e um museu são os lugares onde o povo de Bacurau se protege e se arma.
6º) Toy Story 4
Faltou lenço para secar minhas lágrimas no terço final deste adeus aos queridos personagens que acompanhamos há quase 25 anos. A animação dirigida por Josh Cooley olha para onde os ventos sopram na sociedade, dando protagonismo a personagens femininas, e aborda temas tão dolorosos como abandono, sentimento de exclusão e depressão, sem deixar de lado a comicidade, o encantamento e as mensagens edificantes (os desafios e desencontros requerem união, empatia e gestos nobres – "Os seus problemas são meus também", sempre disse a clássica canção Amigo, Estou Aqui.
7º) O Irlandês
Martin Scorsese tem 77 anos. Robert De Niro e Joe Pesci, 76. Al Pacino é quase um octogenário, e Harvey Keitel já chegou lá. Diretor e atores lidam, eles próprios, com alguns dos principais temas abordados no épico de três horas e meia: a memória (que pode ser uma bênção, aquilo que nos mantêm vivos perante os outros, ou um fardo), a velhice, a obsolescência, o legado. Todos, como Frank Sheeran na última cena, querem que a porta do quarto fique entreaberta: contam histórias e fazem filmes porque se recusam a serem esquecidos.
8º) Pássaros de Verão
Os diretores Ciro Guerra e Cristina Gallego lançam um olhar antropológico sobre a ascensão das drogas em seu país, a Colômbia. Os personagens principais são uma família de indígenas corrompidos pelo dinheiro, que os afasta dos mitos, dos valores e dos costumes que sempre garantiram sua sobrevivência. A história é filmada de um modo naturalista que espelha a invasão estrangeira que por fim escurecerá os céus de Guajira.
9º) Rainha de Copas
De um dos países onde há o menor índice de desigualdade social e a maior qualidade de vida, a Dinamarca, surgem filmes que mostram personagens afligidos por dilemas morais, aturdidos por segredos de família, hostilizados pela sociedade e, não raro, atolados em encrencas nas quais eles mesmo se colocam. É o caso da protagonista do longa da diretora May el-Toukhy, uma bem-sucedida advogada especializada em defender adolescentes vítimas de abuso sexual ou violência doméstica que acaba se envolvendo com o jovem enteado.