O mundo nunca pareceu grande demais para Ricardo Lugris. Por isso, também não estranhe o tamanho de seu segundo livro com "reflexões sobre viagens": quase 500 páginas, organizadas durante a pandemia e que têm como fio condutor uma jornada à região do Cáucaso, na Europa Oriental, em 2019, um dos roteiros mais recentes a bordo de sua moto BMW R1200 GSA.
É bom ressaltar "o mais recente" porque Lugris, 63 anos, gaúcho de Bagé, morador da França há 24, percorreu incontáveis roteiros. Os países somam 150, mas ele trilha estradas diversas desde que pôde pilotar uma moto, aos 18 anos. Viajar já era inspiração familiar, mas as aventuras em duas rodas se tornaram algo a almejar quando aportou na sua cidade da Campanha um aventureiro em uma moto possante, empastada de poeira e adesivos. A conversa com o jovem, em um espanhol arrevesado, porém compreensível, seria o gatilho para que ele traçasse o próprio trajeto. Esse episódio é contado em seu primeiro livro, Tempo e Equilíbrio, de 2018.
E quando Ricardo ressalta serem reflexões o mote do segundo, Montar e Partir, e não relatos, é porque a obra, que será lançada na Feira do Livro de Porto Alegre, não trata apenas do cotidiano de um viajante. Cada capítulo conta um pouco sobre as percepções da viagem de 2019 e traz flashbacks, como se fosse um livro dentro de um livro.
— O que interessa é o olhar sobre o que é vivido. É o sentimento e a percepção do mundo que se vai percorrendo — explica.
Talvez por isso ele prefira andar sozinho, embora a esposa, a passo-fundense Graça, seja companheira de garupa de muitas andanças — com ela, que sequer pilota bicicleta, em 2018, com uma ida à Macedônia, completou o circuito europeu.
Sempre envolvido em atividades na área de comércio internacional, desde seus tempos de universidade em Caxias do Sul, onde cursou Economia e Letras, acelerou os pontos conhecidos no mapa-múndi viajando a trabalho, especialmente nos 32 anos em que atuou na filial europeia da Embraer, a partir de 1996. Em 2015, ao deixar a empresa, tirou um de seus períodos sabáticos mais longos, indo de moto de Paris a Singapura em seis meses — que poderiam ter se estendido, não fosse a proposta para assumir como vice-presidente de um grupo de leasing de aeronaves.
Ainda que a relação com aviões seja intensa e de longa data, é viajando de moto que Lugris se completa. Mas ressalta, na conversa, que não é um competidor, que sabe apenas o básico de mecânica e que a moto é sua ferramenta de viagem, para ele a mais adequada. Mesmo ao dizer não ser dado a proselitismos, descreve de forma prática e poética a razão de sua escolha:
— Viajando de moto se consegue o contato e a proximidade ideais. Numa moto, quando se passa numa floresta de pinheiro, sente-se o cheiro de pinheiro; quando se passa pelo mar, sente-se o cheiro do mar. Num outro tipo de veículo, em geral, o que se quer é chegar. Na moto, o prazer é percorrer.
A moto, na vida e no livro, é personagem, quase ganha vida. É ela que o trouxe até aqui e pode levá-lo muito mais longe.
Sessão de autógrafos
O lançamento de Montar e Partir na Feira do Livro de Porto Alegre está previsto para o dia 9/11, às 16h. - A obra de 488 páginas está disponível no site da Editora/Livraria Europa (europanet.com.br), na Amazon.com e em unidades da Mania de Ler (em Porto Alegre, na Centerlar, Centro Histórico e Hípica).
Reflexões de um motociclista
O processo de escrita
Apesar de estar lançando seu segundo livro, de ter cursado Letras e publicado no mínimo duas dezenas de artigos em revistas especializadas, Lugris diz ser um viajante que escreve e não um escritor. Na estrada, escreve quase todos os dias. Como pilotar a moto demanda muito fisicamente, ele se recolhe cedo e faz seus registros pela manhã, refletindo sobre os acontecimentos do dia anterior. Publica os textos em suas redes sociais, com fotos, para armazená-los, mas também como um jeito de compartir com as pessoas em tempo (quase) real.
O significado da viagem
Viajar, para Lugris, faz parte da existência.
— A descoberta de outros lugares tem a ver com geografia, mas tem a ver com seres humanos — filosofa.
Nas suas andanças, facilitou o fato de dominar seis idiomas e de ter três nacionalidades, mas ele não acredita que se precise de tanto para ir. Uma das coisas mais importantes, para ele, é definir o trajeto, como vai ser o tempo, se é caro ou barato, mas não muito mais. O título do livro, Montar e Partir, aliás, vem de uma convicção: ele acha que há quem planeje demais e não realize:
— Nós estamos esquecendo de ser espontâneos. Meus pais iam de Fusca por estrada de terra de Bagé até Punta e Montevidéu com o mínimo de planejamento, sem nada de tecnologia. Sempre chegaram.
Uma conversa sem palavras
Um dos momentos mais fascinantes de suas andanças é descrito como "uma conversa sem palavras". Por duas horas, numa aldeia da Turquia, ficou sentado à mesa com dois camponeses que se acomodaram sem pedir licença e, sem qualquer idioma em comum, apenas sorriam e gesticulavam. Quatro ou cinco chás depois, quando ele ia se retirar e tentou pagar a conta, eles não deixaram. Despediram-se à moda local e cada um seguiu seu caminho.
Os lugares favoritos
Como continente, ele escolhe a América Latina. Mas destaca alguns países preferidos: a Noruega, pela continuidade de paisagens que intercalam mar e montanha; a Turquia, pela cultura, pelo orgulho e pela amabilidade das pessoas; e o Marrocos, por razões semelhantes à Turquia, mas também porque basta atravessar o Estreito de Gibraltar e navegar 14 quilômetros para "ingressar em outro mundo e ter uma overdose nos sentidos".
O livro e o próxima destino
Foi principalmente ao longo do lockdown de 63 dias na França que Montar e Partir ganhou forma. Lugris achou o fio condutor, montou uma sequência lógica e cronológica e adicionou, na segunda parte de cada um dos 31 capítulos, um flashback. Também selecionou as fotos que ocupam 40 páginas. Dedica o segundo livro à neta, Olívia, de três anos. No futuro, assim que se aposentar, quer ir do Alasca a Ushuaia e pretende percorrer a rota indicada em um dos livros da série Guides Joanne, de 1892, encontrado em um sebo de Paris. O plano é rever os lugares indicados pelo livro há 130 anos, entre Paris e Singapura, e compará-los com o que são hoje.
Viagens pela gastronomia
- Na Estância da Oliveiras, em Viamão, seguem os almoços inspirados em países produtores de azeite. No dia 24/10, o tema é o Oriente Médio. O pacote inclui, além do almoço, visita guiada ao pomar e ao lagar, degustação de azeite, recreação para crianças e música ao pôr do sol. Informações: (51) 99813-0919
- Menu especial "Itália encontra outros países", em outubro, une gastronomia italiana e asiática no Sette PastaBar. As edições anteriores fizeram mesclas da comida italiana com a brasileira e francesa. Fica na Rua Auxiliadora, 248, em Porto Alegre, fone (51) 3012-2926.