Primeiro, talvez seja preciso explicar o que são capitéis: "Pequenas construções, frutos da arquitetura religiosa popular das comunidades originárias da imigração italiana no sul do Brasil. A tradição foi trazida da Itália, fazendo parte do repertório de práticas religiosas católicas".
E é assim que se inicia a apresentação de Caminho dos Capitéis, projeto que mapeou 40 capitéis de Nova Palma, cidade da Quarta Colônia da Imigração Italiana, na região central do Estado. Dizer mapear simplifica a proposta que é bem mais ampla: ela gerou um livro com 112 páginas e belos registros fotográficos, rendeu seis roteiros turísticos, fez a comunidade se mobilizar para redescobrir a história de cada um para preservá-los e restaurá-los.
Uma parceria entre a prefeitura de Nova Palma e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), integrada ao Projeto Geoparque Quarta Colônia-Aspirante Unesco, permitiu a concretização da obra e dos roteiros. Por trás de tudo estão as professoras do curso de Gestão em Turismo Dalva Maria Righi Dott, Monica Elisa Dias Pons e o turismólogo Diego Trindade Hahn. Foi Diego quem primeiro despertou para aquela peculiaridade ao se transferir para Nova Palma, onde exerce o cargo de coordenador de Cultura e Turismo. A parceria com a UFSM e com o Geoparque permitiu a mobilização de bolsistas das áreas de turismo, geografia e design. A ideia começou a tomar forma em 2017, quando se iniciou o trabalho de georreferenciamento e catalogação das capelinhas na sede e nas 15 comunidades de Nova Palma.
Duas comunidades concentram grande parte dos capitéis: Novo Paraíso (oito) e Vila Cruz (sete). Muitos ficam no interior de propriedades, próximo a residências, nas encruzilhadas e na beira de estradas. "Formavam o ponto de encontro das famílias que residiam próximas umas das outras. Geralmente, a construção de um capital era iniciativa de uma ou mais famílias que mantinham laços parentais ou de amizade", pontua o texto dos autores.
Há construções datadas do final do século 19 e início do século 20. Além das 40 hoje existentes, outras foram abandonadas e desapareceram. Só nos anos 1970 ocorreu um despertar para a preservação dos capitéis, com a ação do padre Luiz Sponchiado (1922-2010), referência na pesquisa da imigração italiana e criador do Centro de Pesquisas Genealógicas (CPG) de Nova Palma, local para memória e pesquisa sobre a imigração na cidade que também tem comunidades de alemães e de quilombolas.
Transformar a ideia em um produto turístico gerou muito debate e daí a ideia de criar seis roteiros diferentes, mas interligados, para facilitar a vida do turista. Eles são associados a atrações já existentes no interior do município, cujas estradas são de terra, mas, segundo a prefeitura, se encontram em boas condições. Cada um dos roteiros ganhou um nome: Roteiro das Águas, dos Vales, das Origens, dos Povos Nativos, Coração do Interior e das Terras Altas.
— A maioria fica em paisagens bucólicas, perfeitas para roteiros que as pessoas podem fazer a pé, de bicicleta, de carro — observa Diego.
Ele ressalva que é difícil percorrê-los num único dia, já que há capitéis na sede, mas alguns ficam a 25 quilômetros dali, em direções diferentes. Ciclistas, diz o turismólogo, tem sido o público mais frequente. O próximo passo, após a edição do livro e do material de divulgação turística, lançados em julho, é adaptar todo o conteúdo em uma plataforma digital. A maioria das obras é doada para escolas, para ser trabalhada em estudos de educação patrimonial.
A memória dos antepassados resgatada com o Caminho dos Capitéis provocou a memória das famílias: uma delas, que se mudou para Rio dos Índios, no norte do Estado, quer reproduzir por lá, tal e qual, o capitel de Nossa Senhora de Fátima, erigido por Vitorio Dalla Nora na linha Gramado em 1930. As promessas se renovam.
Curiosidades
- A construção mais antiga é de 1898 e a mais recente, de 1981.
- Os capitéis são dedicados a diferentes devoções, e a que tem o maior número é a do Sagrado Coração de Jesus (4), seguido de Nossa Senhora Aparecida (3), Santo Antônio (3), Nossa Senhora da Saúde (2) e Nossa Senhora Medianeira (2).
- As construções eram feitas por moradores como pagamento de promessas, a imensa maioria relacionada à cura de doenças. Mas há outros pedidos curiosos, como o de Santa Apolônia, na Linha Duas: o mais antigo dos capitéis, de 1898, construído por Giuseppe e Sabina Tomasi, representava a compaixão aos vizinhos que procuravam um filho do casal para extrair dentes com uma torquês (Santa Apolônia é considerada padroeira dos dentistas). Outro, o de São Patrício, de 1950, na Linha Salete, trata de uma promessa de Ângelo Bozzeto para que ninguém se ferisse por picadas de cobras durante a construção da Usina de Nova Palma. Um terceiro, o de São Luiz, na Vila Cruz, teve como mote um pedido do casal Luiz e Teresa Stefanello para que combatentes da Revolução Federalista (1893) não levassem violência à região.
Turismo de espiritualidade
Segundo o Ministério do Turismo, o turismo religioso movimentava cerca de R$ 15 bilhões por ano em 2019. Entre os mais de 300 municípios com atrativos no segmento, havia pelo menos 96 destinos com eventos exclusivos de turismo religioso. Para abranger todos os tipos de manifestações, a secretaria estadual de Turismo do RS pretende usar o termo "turismo de espiritualidade" e não mais turismo religioso.
Imperdíveis do Interior
Inauguração da Casa de Cultura de Caçapava do Sul — Com uma coleção de mais de 500 objetos do médico e pesquisador Juarez Teixeira, a Casa de Cultura Juarez Teixeira (CCJT) abre suas portas no dia 21 de outubro, para convidados, e no dia 22 para o público. Os itens são de propriedade do médico ou foram doados por amigos e colecionadores. Na abertura, haverá o lançamento da Feira do Livro Sem Fronteiras e cinco sessões simultâneas de autógrafos, além de serenatas, mateada e exposição de carros antigos e de fotos que mostram os bastidores da criação da casa.
Trem das Missões: um reponte pelas etnias
Nos dias 23 e 24, 30 e 31 de outubro, um passeio de trem será realizado entre os municípios de Santo Ângelo, Catuípe e Ijuí. Promovido pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) em parceria com várias entidades da região, o roteiro pretende resgatar a nostalgia da "Maria Fumaça", ajudando a "manter viva" a ferrovia. Saiba mais em passeiosdetrem.com.br, onde está a programação completa do evento. O valor dos passeios varia de R$ 72 a R$ 137 (este último inclui trem, almoço étnico e retorno rodoviário).