O movimento já existia, mas levou um baita empurrão com a pandemia. Mais do que nunca, os gaúchos descobriram o turismo rural, uma maneira de evitar aglomerações, estar em contato com a natureza, consumir e comprar produtos mais saudáveis e viver experiências menos convencionais. Para quem está do lado de lá da cerca - produtores e empreendedores -, a atividade gera renda e garante a manutenção das propriedades.
Não há números precisos, mas o último inventário da Câmara Temática de Turismo Rural, de 2019, contava pelo menos 342 propriedades cadastradas para a atividade em 93 municípios. Estima-se que haja muito mais. Não só por a pesquisa ter ocorrido há dois anos e os formulários não serem de preenchimento obrigatório, mas também porque há ainda entraves burocráticos para a regularização. É que para obter o Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), do Ministério do Turismo, o agricultor teria de abrir mão de uma série de benefícios que tem como produtor rural, e isso acaba afastando da atividade e da regularização.
— O que a Câmara vem tentando há anos é que o Ministério do Turismo flexibilize esse cadastro, com um olhar diferenciado para esse segmento que é diferenciado — explica Rosana Simões, coordenadora da Câmara.
— A alteração proposta está sendo tratada entre os ministérios do Turismo e da Agricultura. Queremos estimular o cadastramento e trazer todos os empreendimentos para a formalidade — diz o secretário estadual de Turismo, Ronaldo Santini.
Certo é que a demanda e as exigências do mercado levaram o tema a subir alguns degraus entre as prioridades dos setores público e privado.
— O Rio Grande do Sul está pronto para o turismo rural. Podemos conciliar muitas atividades e roteiro — defende Santini.
A seguir, confira respostas do secretário e o olhar de uma acadêmica sobre o tema.
3 perguntas para Ronaldo Santini, secretário de Turismo
O que o turismo rural representa para o RS?
Não temos um observatório medindo, mas temos o conceito que está se formando em torno do tema. Muitas empresas estão migrando para esse tipo de produto turístico. Vinícolas, por exemplo, que tinham foco só no varejo, começaram a apostar em turismo de natureza, na adaptação de seus espaços. No litoral, também são buscadas alternativas que vão além da faixa de areia.
Que benefícios ele traz para a propriedade rural? E para os turistas?
O principal é a diversificação e o aumento de renda. Também garante a sucessão familiar, ajudando os jovens a permanecerem no campo. Além de produtores, eles viram comerciantes: em vez de vender para o atravessador, vendem direto para o consumidor. É preciso que as famílias também entendam que não precisam ser um receptivo turístico, mas vejam no turismo a possibilidade de serem fornecedores da cadeia e não engolidos pelo empreendimento. Em geral, o turismo rural aumenta a renda, garante a permanência no campo e faz a região crescer de forma cooperativada. Para o turista, além das memórias afetivas, neste momento em que precisamos de reencontros, oportuniza a reconexão com a natureza. Aumenta ainda a proteção e o cuidado com o meio ambiente.
Que tipo de apoio é dado às propriedades?
Temos trabalhado muito a questão da qualificação, da segmentação dos produtos, dos tipos de produtos turísticos que se pode explorar e em como conectá-los. Discutimos como fazer para não ser só o ponto de chegada, mas para agregar o produto regional, a agroindústria familiar e a diversidade gastronômica. São pequenos estímulos que estamos dando para organizar o privado. O Estado tem de entrar com o que é fundamental, com a infraestrutura, a promoção do destino, estimulando a venda da oferta completa. E até com empréstimos subsidiados, via BRDE, via Badesul, para qualificar o empreendimento.
A necessidade do "anticotidiano"
Por Ana Maria Costa Beber (*)
O turismo rural oportuniza vivências em diversos universos particulares, seja através da paisagem, de práticas culturais ligadas ou não à produção agrícola, na relação com a terra, com a gastronomia. As pessoas sentem a necessidade do anticotidiano e da busca pelo estranhamento. Há muitos tipos de turismo rural e é preciso conhecimento sobre desenvolvimento rural e sobre turismo. O rural se coloca como uma possibilidade de consumo de paisagem, de sabores, de comidas, de aromas, de memórias, de saudades, de arquitetura, de história, de processos agrícolas, de tecnologia, inseridos no imaginário de um universo lúdico, idílico e inovador.
Por isso, ao procurá-lo, o que o turista ganha depende sempre dos seus anseios e necessidades. Quem busca a experiência, a imersão, é um público bem específico. Mas a paisagem, como regra, é o elemento central.
Em termos de planejamento turístico, não se pode perder de vista que o rural é plural, híbrido e multifuncional, conectado às demandas ambientais e alimentares. A dependência do turismo, a priori, não é uma alternativa a longo prazo. Tratamos aqui de turismo como uma possibilidade de estreitar relações entre produtores e consumidores ampliando a competitividade das cadeias curtas de produção e promovendo vivências particulares no âmbito do turismo.
Os melhores exemplos no RS estão em Garibaldi, onde há restaurantes como o do chef Rodrigo Bellora (o Valle Rústico integra a Via Orgânica, com nove estabelecimentos), que tenta servir à mesa tudo que é produzido por ali. Ter no local essa cadeia de abastecimento gera oportunidades porque o produto tem mais qualidade e a biodiversidade ganha. Uma das questões que se coloca é a pouca articulação de políticas públicas ligadas aos pequenos produtores, à produção artesanal, à agroecologia e ao turismo, tais como na Europa com os programas de agroturismo, no qual se produz e se vende na proximidade. Sem dúvida, o turismo rural vive um momento de expansão e grandes oportunidades.
* Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS. mestre em Turismo e Hotelaria, bacharel em Turismo e tecnóloga em Hotelaria pela Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Qualificação
Em 2020, a Câmara Temática de Turismo Rural, coordenada por Rosana Simões, promoveu cinco módulos online para a qualificação dos empreendedores e, neste ano, seis encontros virtuais com especialistas e empreendedores tratam de preparar e estimular produtores. Amanhã (25/8), ocorre o terceiro encontro do ano. Em pauta, "Um novo conceito de desenvolvimento em espaços rurais" (Sebrae) e "Valorização de produtos: o Turismo Gastronômico enquanto atrativo" (Senar). Inscrições gratuitas: gzh.rs/turis-rural
Um (rápido) inventário
O último levantamento da Câmara de Turismo Rural sobre a atividade no RS é de 2019. Alguns dados:
- Há 342 propriedades cadastradas em 93 municípios
- A maior parte (23%) se concentra na região da Uva e Vinho
- A principal atividade é o turismo (40%), seguida pela agricultura (33%), e 11% delas têm a produção associada
- Em 61% dos locais, houve desenvolvimento de novos produtos a partir do turismo rural, e em 68% ocorreu aumento na venda de produtos agropecuários
- Entre os benefícios, 77% destacam a renda extra e 44%, a diversificação na produção