Quase três séculos de história resistem bravamente em Santo Amaro do Sul, distrito que já serviu de sede ao município de General Câmara e hoje é a base do Caminho Açoriano. Criado em 2018, o roteiro turístico ganhou ares oficiais em julho, com a visita do embaixador português Luís Faro Ramos. É que o conjunto de 14 prédios, além da praça, conserva muito do que os povoadores vindos do Arquipélago dos Açores trouxeram, a partir de 1752, principalmente a arquitetura. Tanto que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) declarou seu tombamento em 1998. Tanto que, antes disso, nos anos 1970, serviu de cenário ao filme Um Certo Capitão Rodrigo, baseado na obra de Erico Verissimo, com direção de Anselmo Duarte. Tanto que agora o Estado reconhece o Caminho Açoriano como um roteiro turístico do RS.
Há, em Santo Amaro do Sul, cerca de 500 moradores. Um deles é o prefeito de General Câmara, que construiu casa na propriedade que pertenceu ao seu bisavô. Ex-vereador pelo distrito por duas vezes e reeleito prefeito em 2020, Helton Holz Barreto, 33 anos, é nascido e criado em Santo Amaro e dá para entender seu entusiasmo com o roteiro que ele mesmo idealizou.
Em alguma escala, o turismo sempre existiu por ali, onde veranistas de várias regiões do Estado mantêm casas para frequentar as águas do Rio Jacuí. Olinda Konrad, 79 anos, proprietária com o esposo do restaurante e pousada Coqueiro, não é natural de Santo Amaro, mas a escolheu para fixar moradia há 37 anos. E simboliza a história viva do lugar, com seus principais fatos sempre na ponta da língua. E especializou-se em pintar seus prédios em tinta acrílica, aprendeu a trabalhar as escamas dos peixes - dos resíduos que vêm de sua cozinha - em artesanato como se faz nos Açores, disseminando a prática entre os artesãos locais. E representou Santo Amaro e o Rio Grande do Sul num congresso de lusofonia no arquipélago português seis anos atrás. E agora é responsável por um prato criado para essa nova fase do turismo: o peixe na telha centenária, unindo a gastronomia à história.
— Trabalhamos em cima das raízes, da história, da cultura e do turismo de Santo Amaro desde que chegamos aqui — resume Olinda.
Por isso ela se encarregou de pintar e entregar ao embaixador uma reprodução em tela de uma das casas mais faladas da vila e, infelizmente, uma das menos conservadas: aquela onde nasceu o líder farroupilha José Gomes de Vasconcelos Jardim (1773-1854).
Às margens do Rio Jacuí, Santo Amaro do Sul, na época de sua povoação, ficava entre a fronteira dos impérios de Portugal e Espanha. Era um lugar estratégico e chegou a receber um forte para protegê-lo. Os casais açorianos se instalaram no local, que fica a cerca de 80 quilômetros de Porto Alegre, para reforçar a ocupação e a demarcação das fronteiras. Mas, depois, deixaram um legado maior.
Do conjunto arquitetônico todo, o prédio mais imponente e bem conservado é a Igreja Matriz, de 1787, uma das mais antigas do Estado. É em torno dela que aconteceu pela primeira vez a festa Santo Amaro em Portugal, em 15 de janeiro do ano passado, em homenagem ao padroeiro. E é também um dos motivos do entusiasmo do prefeito com o resgate das tradições, da gastronomia, da música e da cultura, aliado ao turismo: na festa de 2020, conseguiram conciliar a data a um roteiro que o Cisne Branco, barco turístico da Capital, fazia pela região e 600 pessoas fizeram o passeio junto à barragem da eclusa de Amarópolis, no Jacuí.
Mas, antes de criar o roteiro, um dia, Helton, que cursa Direito e Gestão Pública, reuniu uma equipe de seis pessoas para discuti-lo e convidou o grupo para tomar um café em Santo Amaro. A pergunta inicial foi "onde"? É que pouco havia de estrutura turística e, depois da criação do roteiro, agora ela aparece aos poucos. Um centro de atendimento ao turista (CAT) atende de domingo a domingo, uma parceria permite manter a igreja aberta e surgiram mais um restaurante e um mercado. A ideia do prato - o já citado peixe na grelha - também veio depois da mobilização.
E o prefeito, que sonha com o tanto que o turismo fez por cidades como Gramado, ou o quanto representa para Portugal, onde 10% do PIB vem do setor, vê muito potencial de geração de emprego e renda. Depois da criação do roteiro, criaram-se 12 empregos diretos, muitos perdidos com a pandemia. No primeiro mês, 2 mil pessoas assinaram o livro de registros do CAT - cada um recebe um folder indicando todas as construções (um mirante, na chegada, outra obra pós-Caminho Açoriano, permite avistar a igreja e boa parte da vila de longe).
A comunidade participa de palestras e treinamentos para preservar as características do lugar. Nas escolas, discute-se educação patrimonial. Há, ainda, o projeto de uma nova pousada, essa com 12 casas que reproduzam construções típicas açorianas. Santo Amaro do Sul está em busca de investidores que tragam coisas novas para preservar sua antiga vila. E precisa, urgente, que a casa onde Gomes Jardim nasceu seja restaurada - segundo o prefeito, o Iphan fará o projeto, o que já é um pedaço de caminho andado.
O conjunto arquitetônico
Há 15 bens tombados pelo Iphan (14 imóveis e a praça):
- Três dos 14 imóveis precisam de restauração (só um deles pertence à prefeitura, a Casa de Cultura, e as obras devem se iniciar em breve)
- Oito dos prédios são residenciais
- Três construções abrigam comércios
Como chegar
Santo Amaro do Sul fica a cerca de 95 quilômetros de Porto Alegre, via BR-290 e RS-401.
Outros caminhos
No site da Secretaria Estadual de Turismo, selecionei caminhos que trazem em seu título referência à imigração e/ou etnias no RS:
- Caminho Pomerano, em São Lourenço do Sul
- Caminhos Germânicos, entre Nova Petrópolis e Gramado
- Estrada do Imigrante, em Caxias do Sul
- Roteiro dos Imigrantes e da Fé, em São Sebastião do Caí
- Rota Gastronômica da Imigração, em Silveira Martins
- Rota Germânica, em Teutônia e Westfália
- Rota Germânica do Rio Pardinho, em Santa Cruz do Sul e Sinimbu
- Roteiro Caminhos da Imigração, em Santa Cruz do Sul
- Roteiro Rural Alemães do Sul, em Nova Petrópolis
- Roteiro Taquari Açoriana, em Taquari