O relatório de uma auditoria de técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) aponta inconformidades em pagamentos do programa Todo Jovem na Escola, bolsa do governo gaúcho paga a estudantes do Ensino Médio na rede estadual. O documento indica que houve prejuízo potencial de ao menos R$ 5,5 milhões e sugere a responsabilização da secretária da Educação, Raquel Teixeira, e do coordenador responsável pelo programa.
A Secretaria da Educação (Seduc) afirma que a maior parte dos pagamentos não foram indevidos e estão de acordo com orientações do Conselho Nacional de Educação e com as "condicionalidades operacionais do contexto pós-pandemia" (leia a íntegra abaixo). A pasta tem até o dia 5 de julho para apresentar argumentos ao TCE.
Lançado em 2021 com o objetivo de conter a evasão escolar, o Todo Jovem na Escola paga
R$ 150 mensais por estudante cuja renda familiar seja de até meio salário mínimo por pessoa ou três mínimos totais. Para isso, o aluno deve ter ao menos 75% de frequência e participar de avaliações internas e externas.
Em relatório de 46 páginas, os auditores apontam que quase 23 mil alunos receberam o auxílio sem participar dessas avaliações entre 2022 e 2023, o que teria gerado pagamento indevido de ao menos R$ 3,4 milhões.
Segundo o documento, na averiguação da assiduidade, os profissionais examinaram uma amostra de 203 alunos entre março e junho de 2023, dos quais 30 receberam a bolsa sem atingir a frequência mínima de 75%. Com isso, estimaram que entre 11,7% e 17,8% dos beneficiários não estariam cumprindo a regra, gerando pagamentos indevidos que variam entre R$ 1,6 milhão e R$ 2,5 milhões.
Os auditores ainda dizem ter encontrado registros de repasses a estudantes cujos responsáveis são funcionários públicos com renda maior do que o limite permitido. Nessa lista, constam 136 servidores do Estado, dos quais 109 da própria Seduc — a secretaria afirma que são professores ou servidores inscritos no CadÚnico e que não atuam na sede da pasta (leia manifestação na íntegra abaixo) —, e 223 servidores de 120 municípios, que teriam auferido indevidamente R$ 531 mil. Em março, o TCE determinou a suspensão imediata de repasse a esses beneficiários.
"Esse cenário evidencia a ausência de consideração ao contexto de vulnerabilidade socioeconômica, requisito fundamental para a concessão das bolsas do programa", aponta o relatório.
Por fim, ainda foram encontrados registros de 103 bolsas pagas em duplicidade, que somam R$ 15,4 mil.
O documento recomenda a responsabilização da secretária da Educação e do coordenador do Centro de Educação Baseada em Evidências (Cebe), Guilherme Simionato, responsável pela gestão do Todo Jovem na Escola.
O que diz a Seduc
A secretaria enviou os seguintes esclarecimentos:
1. O processo de auditoria do Programa Todo Jovem na Escola se encontra em fase de apontamentos e esclarecimentos por parte da Secretaria de Educação (SEDUC) junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE). O relatório foi construído entre os meses de abril a de junho de 2023, período em que o Programa passava por reformulação e que culminou no lançamento do novo modelo dos benefícios instituído pela Lei Nº 16.090, de 10 de janeiro 2024.
2. Cabe ressaltar que o Programa foi criado como resposta ao alto movimento de abandono escolar que se aprofundou no Rio Grande do Sul no contexto da pandemia da emergência sanitária da COVID-19. A taxa de abandono no ensino médio em 2022 foi de 11%, o dobro da média nacional, e afetou principalmente os estudantes mais vulneráveis. O público-alvo era de aproximadamente 100 mil estudantes distribuídos em todos os 497 municípios do Estado.
3. Diante disso, a análise dos auditores tratou de possíveis pagamentos de bolsas sem a observância das condicionalidades do Programa, particularmente quanto à exigência da participação dos estudantes nas avaliações internas e externas. Entretanto, considerando o contexto da pandemia da COVID-19, parecer do Conselho Nacional de Educação, de 08 de dezembro de 2020, orientou no sentido da flexibilização das avaliações e da carga horária como critério de resultado pedagógico no período, uma vez que tinha por objetivo mitigar os efeitos nocivos da descontinuidade do fluxo escolar na trajetória dos estudantes.
4. Assim, não se tratam de pagamentos indevidos na perspectiva do Programa Todo Jovem na Escola, estando de acordo com as orientações do Conselho Nacional de Educação e com as condicionalidades operacionais do contexto pós-pandemia. Tal entendimento acerca do engajamento escolar, inclusive, foi incorporado pela nova legislação do Programa e é seguido pelo Pé-de-Meia, iniciativa do governo federal análoga ao Todo Jovem na Escola.
5. No que tange aos demais apontamentos realizados pelo Tribunal de Contas, tratam-se de inconsistências oriundas do Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico) acerca do rendimento de aproximadamente 300 famílias beneficiadas. A Secretaria de Educação, a despeito de não ser a gestora do CadÚnico, realizou os bloqueios dos beneficiários apontados e implementou medidas de segurança para dupla checagem no cadastro em linha com os demais benefícios atendidos pelo Cartão Cidadão do Estado do Rio Grande do Sul.
Após a publicação desta coluna, a Seduc encaminhou um complemento à sua manifestação:
O Programa Todo Jovem na Escola, assim como os principais programas sociais do país e do Rio Grande do Sul, utiliza o Cadastro Único, de responsabilidade do Governo Federal, como base de aferição do critério de vulnerabilidade social. Instada a verificar os apontamentos específicos dos servidores estaduais e municipais que integram o CadÚnico, a Seduc observou que os auditores consideraram em sua análise apenas o critério de renda total (até 3 salários mínimos) como habilitador ao Todo Jovem na Escola. No entanto, a legislação do Programa inclui o critério alternativo de renda média per capita (até meio salário mínimo) para habilitar o estudante a ser candidato à bolsa. Por esse critério, aproximadamente metade dos casos apontados pela análise, de acordo com o CadÚnico, não representam pagamentos indevidos.
Nos demais casos apontados, conforme já mencionado em nota, tratam-se de professores da rede estadual ou servidores que estariam com a renda informada no CadÚnico inconsistente com a renda registrada em seus contracheques. Os aproximadamente 150 beneficiários que não se enquadram nos critérios foram suspensos do programa e encaminhados para averiguação junto ao governo federal. Ressalta-se, porém, que não há servidores da sede da Seduc dentre os supostos beneficiários indevidos.
Trâmite da matéria
- O relatório foi produzido no ano passado pelos auditores Bruno Hartmann Iop e Cyro Carlos Garcez Junior e assinado no dia 16 de janeiro. O processo ficou sob relatoria do conselheiro Estilac Xavier. Em 15 de fevereiro, ele abriu prazo de cinco dias para manifestação de Raquel Teixeira e Guilherme Simionato, que não enviaram respostas.
- Em 18 de março, o conselheiro-substituto Alexandre Mariotti concedeu tutela de urgência para suspender repasses a familiares de servidores públicos com renda superior ao limite do programa e abriu novo prazo de 30 dias para manifestação.
- Em 29 de abril, Raquel e Guilherme pediram a prorrogação do prazo por mais 30 dias.
- Em 6 de junho, Estilac Xavier deferiu o pedido. O novo prazo vai até 5 de julho.
- Após os esclarecimentos, a documentação irá para o Serviço de Instrução do TCE, que emite uma análise técnica sobre o assunto.
- Depois, o processo segue para o Ministério Público de Contas (MPC), cujos procuradores podem emitir parecer com pedidos de punições e recomendações ou de arquivamento.
- Por fim, o relator deve redigir um voto e submeter à análise dos demais conselheiros em plenário ou em uma das câmaras do TCE.