Quando a princesa Kate, futura rainha da Inglaterra, sumiu depois de uma cirurgia abdominal, tive a quase certeza de que estava com câncer. Não por intuição, mas por ter estudado o assunto na condição de paciente. Só um diagnóstico do que no passado se chamava de “doença ruim” explicaria o recolhimento dela e o cancelamento das atividades do príncipe William por tanto tempo. Não costumo tratar dos assuntos da realeza e guardei essa impressão com um aperto no peito, vendo Kate ser massacrada nos tabloides ingleses e nos do mundo inteiro com especulações abjetas (da lipoaspiração que teria dado errado à depressão por uma suposta traição do príncipe).
Agora que Kate gravou um vídeo explicando sua situação, entende-se até o erro de ter manipulado uma foto com os filhos, divulgada no Dia das Mães, talvez para parecer melhor do que está. Em algum momento, a princesa teria de revelar a doença, já que é uma pessoa pública, mas tudo tem seu tempo. Com três filhos pequenos, ela precisava prepará-los para o que está por vir, porque sabe que os efeitos das quimioterapia são diferentes de pessoa para pessoa, mas ninguém passa incólume.
O oncologista Stefen Stefani escreveu em seu perfil no Instagram um texto com o qual eu concordo da primeira linha ao ponto final, e faço alguns acréscimos na condição de quem passou por esse processo e teve de decidir o momento certo de tornar pública a doença e a forma de fazê-lo, em respeito aos leitores de Zero Hora e GZH e aos ouvintes da Rádio Gaúcha. Escreveu o dr. Stefani:
“Então uma mulher de 42 anos, com três filhos, descobre que tem câncer. Possivelmente é a maior batalha que ela já teve de encarar na vida. Ela e milhares de pessoas (cada vez mais jovens) recebem essa notícia todos os dias e vão ter que enfrentar seus medos e incertezas. Não importa se ela é uma princesa ou não. Não importa qual o tipo de câncer, exceto para ela, sua família e sua equipe médica. Especulações somente servem para alimentar a curiosidade popular. Mas existem coisas que qualquer um pode fazer e, talvez até mais importante, NÃO deve fazer para as pessoas com câncer:
1. NÃO faça sugestões de remédios mágicos ou comidas milagrosas sem amparo científico nenhum;
2. NÃO conte histórias trágicas de pessoas que não tiveram boa evolução;
3. NÃO traga insegurança fazendo questionamentos sobre a necessidade de determinado exame ou procedimento;
4. NÃO fique dizendo “tudo vai dar certo, não te preocupes, vai ser fácil.
Quer ajudar?
1. Ofereça para contribuir com tarefas como afazeres domésticos;m jhmj
2. Pergunte como a pessoa se sente;
3. Ouça com paciência;
4. Diga, com o coração, que você não sabe o que dizer, mas seu abraço estará lá.”
Eu teria muito a acrescentar sobre o que não fazer. Aqui não falo, claro, dos haters que dizem asneiras do tipo “é um castigo pelo que você disse ou escreveu” ou “espero que você morra”. Falo das pessoas bem-intencionadas, que no afã de ajudar acabam aumentando a angústia do paciente. Na linha do dr. Stefani, começo pelo que não fazer:
1. NÃO diga “se Deus quiser você vai ficar bem”. Porque o paciente fragilizado vai se perguntar “e se Deus não quiser?”. Porque diz a Bíblia, são insondáveis os desígnios do Senhor. Nessa hora você pensa que Deus precisa se ocupar do Universo inteiro, que pode andar chateado pelo quanto andam usando Seu nome em vão. Melhor desejar que ilumine seu médico para que adote a melhor conduta. Que inspire os cientistas a trabalharem pelo tratamento mais preciso. Que dê forças a sua família suportar os dias difíceis que virão;
2. NÃO sugira que a pessoa procure curandeiros de qualquer espécie. Foi pela recomendação de um pastor que a filha de Pelé, jovem, abandonou a quimioterapia e morreu de um câncer de mama, perfeitamente tratável.
3. NÃO mande doces ou qualquer alimento sem ter certeza de que está liberado na dieta do pacientes. É um gesto carinhoso, sem dúvida, mas pode deixar a pessoa com vontade de comer coisas que são proibidas na quimioterapia, por mais inocentes que pareçam, como uma salada de brotos ou queijo Brie.
4. NÃO pergunte se ela está preparada para perder o cabelo ou por que não usa aquela touca que a Cristina Ranzolin usou. Não estamos, mas o cabelo é irrelevante diante do desafio de eliminar o tumor. Cabelo volta. Sim, a touca é uma opção, mas não há estudos conclusivos (ou não havia em 2023) sobre sua adequação na quimioterapia para todos os tipos de câncer (linfomas, por exemplo).
O que mais se pode fazer?
1. Mande flores (se a pessoa gostar de flores), mas tendo o cuidado de verificar se não são alérgicas, como alguns tipos de lírio;
2. Visite (se seu amigo disser que pode receber visitas), mas use máscara porque o paciente estará com a imunidade baixa, mas adorará ganhar um abraço;
3. Sugira livros de boa literatura, capazes de distrair naqueles dias mais difíceis. Nada que trate de câncer. Esses, o paciente comprará se achar que deve;
4. Recomende bons filmes que possam ser assistidos em casa.
5. Seja leve nas conversas.
No período em que fiz tratamento, o apoio dos amigos e da família foi fundamental, mas nada substitui a confiança na equipe médica, mas isso precisa começar na primeira consulta. Se não houver confiança, melhor trocar logo, como fez uma amiga que não gostou da forma gélida como foi tratada pela médica famosa com a qual pretendia se operar. Trocou e não se arrependeu.