A queda de cabelo durante o tratamento contra o câncer é um dos efeitos colaterais da quimioterapia que mais abala a autoestima feminina. Diagnosticada com câncer de mama, a apresentadora Cristina Ranzolin, que comanda o Jornal do Almoço, da RBS TV, encerrou a quimioterapia no dia 3 de maio. Durante o tratamento, utilizou a crioterapia, uma técnica que ajuda a combater a queda de cabelos.
Popularmente chamado de Touca Inglesa, o procedimento custa R$ 200 por sessão. Na Serra, um aparelho semelhante ao usado por Cristina está disponível a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) do Hospital Geral, em Caxias do Sul. O HG, inclusive, é o único hospital do RS que conta com o recurso para pacientes do SUS. Chamada de Sistema Capelli, a tecnologia é indicada para quem está em tratamento de câncer de mama, ovário e colo de útero, principalmente, para pacientes que utilizam os medicamentos chamados de taxanos, indicados para combater vários tipos de câncer.
O valor arrecadado pelo evento Constelação Solidária, idealizado pela empresária Michele Censi, e realizado em setembro de 2018, teve a totalidade da renda revertida para o Hospital Geral. Foram esses recursos que possibilitaram a aquisição do Sistema Capelli. O aparelho custou 65,5 mil. O dispositivo lembra as toucas usadas em salões de beleza.
André Reiriz, diretor de Ensino do HG e médico Oncologista da Unacon, ressalta que cerca de 30 pacientes da Serra já foram beneficiadas pela técnica, que tem sido utilizada desde fevereiro de 2019. Segundo ele, em média uma paciente por mês passa pelo procedimento.
— O número de pacientes atendidas pode não parecer tão expressivo, mas é preciso avaliar que a técnica é indicada para aquelas pacientes que realmente têm chance de reduzir até 50% da queda de cabelo. Nos casos de pacientes em que há chance alta de que o cabelo caia, mesmo que submetidas ao uso da tecnologia, optamos por não expor a paciente ao equipamento. Há uma parcela de mulheres que opta por não fazer porque não vê na perda do cabelo algo que a incomode, também avaliamos o protocolo quimioterápico, que são as drogas que serão usadas no tratamento, e se a paciente está apta e a vontade dela de se submeter ao procedimento. Somos um hospital atento a estas sutilezas da humanização, e o Capelli proporciona isso — salienta Reiriz.
Ele explica ainda que o tratamento funciona por meio do resfriamento capilar:
— A touca é conectada no equipamento que produz o resfriamento do couro cabeludo. Quando resfria, há uma contração dos vasos sanguíneos. Eles se fecham e isso faz com que a passagem do quimioterápico seja menor, consequentemente, fazendo com que a queda de cabelo diminua — esclarece o oncologista.
O médico lembra que a decisão de investir no aparelho levou em conta a necessidade de mostrar que perder o cabelo não se trata de uma perda estética da paciente, e que há todo um simbolismo por trás da queda capilar:
— Quando a paciente perde o cabelo todos ficam sabendo que ela está doente, e é imposto a ela compartilhar isso com o mundo. Estar enfrentando o câncer sai do universo íntimo dela, porque quando todos a veem sabem pelo que ela está passando, e o assunto é abordado, e ela se vê obrigada a falar sobre isso, sendo que às vezes ela sequer digeriu ainda que está passando por um momento tão delicado. Muito mais do que um elemento estético estamos entregando o direito à autonomia e individualidade e, portanto, o bem-estar da paciente em tratamento ao podermos oferecer o procedimento a elas — afirma Reiriz.
Como funciona?
A toca é colocada na cabeça da paciente cerca de 30 minutos antes do início da sessão de quimioterapia e resfria o couro cabeludo. A touca não pode ser retirada até uma hora e meia depois do procedimento. O sistema resfria o couro cabeludo da paciente e assim há uma diminuição do fluxo sanguíneo nos folículos capilares, promovendo a menor absorção da medicação nesta região, e assim, evitando ou reduzindo a perda dos fios ao longo do tratamento.
Quem pode se beneficiar?
A técnica pode ser aplicada em pacientes com câncer de mama, intestino e outros tipos de câncer. A crioterapia não é indicada em casos de câncer nas células do sangue, como leucemia e linfoma. Pessoas que apresentam alergia no couro cabeludo também não devem fazer o tratamento. É comum, que em alguns casos, os pacientes apresentem sensibilidade no couro cabeludo logo após o início do tratamento e tenham enxaqueca, quando já têm tendência a ter este problema.
"Me ajudou com a autoestima e confiança", conta paciente
A pedagoga caxiense, Juliana Lucena Martins, 39 anos, foi diagnosticada com câncer de mama em 2017. Ela passou por mastectomia bilateral e, em 2019 teve a recidiva, que é o retorno da doença. A oncologista dela, a médica Janaína Brollo indicou o procedimento, que ainda era novidade na Unacon.
— Fiquei muita aflita. Achei que não teria mais câncer devido aos exames realizados por prevenção. Foi uma surpresa tanto para mim quanto para a família. Minha doutora sugeriu esse tratamento capilar para me manter mais forte — reconhece Juliana.
Ela se refere ao impacto psicológico, pois considera o cabelo uma característica forte da mulher.
— Eu tenho uma filha de 11 anos, e eu me preocupava com o olhar das pessoas para mim se estivesse careca, e não queria que ela me visse assim mais uma vez, porque isso deixava ela apreensiva . Era uma preocupação imaginar o que as pessoas pensariam quando olhassem e me vissem careca. O câncer ainda assusta muitas pessoas.
Para a pedagoga o procedimento ajudou a encarar a melhor doença:
— Fiquei com autoestima, autoconfiança, autoimagem, uma visão e atitude mais positiva. As pessoas não sabiam que eu era uma paciente em tratamento de câncer, isso me fortaleceu. Estamos em tratamento e não é para sempre, temos que confiar. A vida está aí para ser vivida. Sei que esse tratamento capilar fará muitas mulheres mais confiantes com a cura e com a autoimagem positiva.
Sobre o procedimento, Juliana conta que não teve reações, a não ser o frio intenso.
— Fiz o procedimento no segundo semestre de 2019, uma época mais fria. Ficava -38°C. Era muito gelado. Eu ficava toda coberta. Do pescoço aos pés. A minha mãe e minha sogra cuidavam de mim e me cobriam para que a sensação de frio diminuísse. Apenas uma vez pedi que tirassem por cinco minutos porque senti muita dor nesse dia por causa do frio. Descobri que o frio dói, sim.
A pedagoga frisa que depois de usar o "capacete" como chamava era preciso se cuidar em casa:
— Lavava o cabelo com água fria no tanque com sabonete neutro, e não podia secar o cabelo. Tem que ter cuidados em casa também.
Doação para a Santa Casa em Porto Alegre
Nas redes sociais, Cristina Ranzolin, compartilhou com os seguidores o uso da crioterapia. O assunto gerou curiosidade porque muitas pessoas ainda desconhecem a técnica. A apresentadora decidiu então buscar meios de viabilizar o acesso à técnica para pacientes do SUS no Estado. A máquina custa R$ 300 mil e ela pensou em lançar uma campanha para adquirir o equipamento. Em seguida, contatou o Sistema Paxman — empresa presente em 64 países, que fabrica o equipamento — e descobriu que já havia uma doação, feita para o Inca, no Rio de Janeiro:
— Falei sobre a nossa Santa Casa (de Misericórdia) e decidi pedir o equipamento.
Por intermédio da apresentadora, o hospital de Porto Alegre receberá nas próximas semanas um equipamento da empresa, que será destinado exclusivamente para o atendimento de pacientes do SUS.