Lula completava 15 dias como presidente eleito quando desembarcou na COP27, em Sharm el-Sheikh, em 2022. Antes da posse, viajara em um jatinho particular do empresário José Seripieri Junior, dono da Qualicorp, e voltara do Egito sem conversar com a imprensa. A explicação para a carona se deu, dias depois, já em Portugal, devido, segundo Lula, à "segurança em um país em que você tem bolsonaristas raivosos se espalhando pelo mundo".
— Meu amigo tinha um avião — justificou.
A polêmica não durou até a posse. Logo se diluiu. No Egito, Lula ganhou as manchetes nacionais e internacionais ao anunciar a intenção de realizar, pela primeira vez na Floresta Amazônia, a edição de número 30 da COP30, prevista, para 2025. O desejo do eleito era marcar uma mudança de posição em relação à gestão do então presidente Jair Bolsonaro, quando as queimadas consumiam a floresta e a imagem do Brasil lá fora.
Passado um ano, Lula voltará ao principal encontro mundial sobre mudanças climáticas no final da semana, agora como presidente, em cenário contraditório. Tem bons números a apresentar ao condomínio-mundo: a redução no desmatamento da floresta em 49,6% entre janeiro e outubro de 2023, na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo o Deter, do Inpe. No entanto, o país enfrenta, do Oiapoque ao Chuí, efeitos do aquecimento global recrudescidos pelo fenômeno El Niño: o Solimões e o Negro se convertem em bancos de areia, a seca castiga o Nordeste, o calor consome o Sudeste, o Cerrado está em chamas, e, no Rio Grande do Sul, as tragédias das águas no RS se repetem. Este cenário, ao mesmo tempo em que serve ao governo federal exemplificar, de forma concreta, eventos extremos comuns a que o planeta testemunha em conjunto, pressiona por ações urgentes. Sobretudo porque Lula tem uma agenda contraditória.
Ao mesmo tempo em que, externamente, deseja se mostrar como paladino do clima - muitas vezes arvorando-se como líder das nações em desenvolvimento a cobrar dos desenvolvidos financiamentos para que as pobres possam cumprir metas de descarbonização, adota políticas de incentivo a combustíveis fósseis como intrumento de política pública - a exploração de reservas na foz do Amazonas é apenas a ponta do iceberg. Um documento assinado por 61 ONGs brasileiras exige um plano de eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
A perda de vegetação no Cerrado é foco de cientistas e ambientalistas, que assinaram recentemente uma carta na Revista Nature Ecology and Evolution chamando atenção para os dados dos 10 primeiros meses, no qual o desmatamento cresceu naquele bioma em 34% (de 5.073 km2 para 6.802 km2). A possível derrubada do veto presidencial do marco temporal para as terras indígenas e a não aprovação da regulamentação do mercado de carbono são pontos de alerta.
Lastreado pelos números da Amazônia e pelo capital político internacional de sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, Lula deve anunciar em Dubai:
- Um fundo para captar recursos para florestas - além dos já existentes, como Fundo Amazônia e de mercado de carbono;
- Um projeto de incentivo para pastagens degradadas - produtores interessados em comprar ou arrendar terrenos como esses teriam acesso a financiamento com juro mais baixo para transformá-los em lavouras;
- Adesão a um acordo para triplicar a capacidade de geração de energias renováveis;
- E um plano para transformação ecológica voltado para a descarbonização da economia brasileira.
Nas entrelinhas, Lula carregará na mala, ao cruzar o Atlântico e a África, desta vez a bordo do avião presidencial, uma mensagem: da COP28, que ocorre a partir de quinta (30), depende o sucesso da COP30, em Belém, daqui dois anos.