A Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas, a COP28, que começa na próxima quinta-feira (30), em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, ocorre em um momento no qual cresce, no Rio Grande do Sul, o debate sobre como prevenir e reagir à desastres ambientais. A discussão foi acelerada devido às enchentes em várias partes do Estado, em algumas localidades, como o Vale do Taquari, atingido por dois fenômenos extremos em intervalo de 60 dias.
Liderada pelo vice-governador Gabriel Souza, a delegação do governo do Estado contará com representantes das secretarias do Meio Ambiente e Infraestrutura, Desenvolvimento Econômico e Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação.
Para a COP28, o Estado contratou uma consultoria, a Iclei, especializada em atender governos locais dedicados a temas como o desenvolvimento sustentável. A ideia é projetar, durante o evento, a imagem de um Estado com agricultura e pecuária sustentável e de baixa emissão de carbono. Em entrevista à coluna, a secretária do Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann, comenta a intenção também de buscar financiamento internacional para projetos que ajudem a minimizar impactos dos eventos extremos.
— Vamos mostrar sistemas produtivos sustentáveis e um Estado que faz sua lição de casa. Mas só isso não basta: a gente precisa de apoio financeiro para rapidamente nos adaptarmos e sermos resilientes — diz a secretária, que terá palestras e reuniões durante praticamente todos os dias de evento, em Dubai.
A seguir, trechos da entrevista
A COP28 ocorre em um momento no qual o Rio Grande do Sul e várias regiões do país sofrem efeitos de eventos extremos, como enchentes e as altas temperaturas. Qual a sua expectativa para a conferência?
Acompanho a temática das questões climáticas há muito tempo. Sou paleontóloga de formação: antes mesmo de as pessoas habitarem a Terra, a gente já vinha acompanhando esses ciclos de alteração da temperatura, de disponibilidade hídrica, independentemente dos seres que a habitam. Mas a questão do uso responsável nos gera capacidades de adaptação e resiliência maiores. Nas COP anteriores, falávamos muito de prevenção e mitigação: "O que estamos fazendo para emitir menos (gases poluentes), como vamos substituir combustíveis fósseis?" Mas essa condição adversa dos desastres mais acentuados e mais frequentes trouxeram à luz da sociedade a importância da adaptação e da resiliência.
A realidade do "novo normal" climático bateu à porta?
Colocaram o ser humano cada vez mais dentro desse círculo que a gente precisa pensar. Nosso objetivo primário como espécie é sobreviver. Estamos tendo essa necessidade de adaptação muito rápida. A gente falava de desastres frequentes a cada cinco, 10 anos. No caso do RS, estamos falando de menos de dois meses (entre duas enchentes no Vale do Taquari). Conversando com os técnicos meteorologistas da Sala de Situação (da secretaria), eles relataram que, em sete anos, nunca viram o Estado com tantas áreas de alerta ou de emergência ao mesmo tempo. Isso faz com que tenhamos de ter pressa para que a gente possa promover ações imediatas de adaptação, como, por exemplo, a revisão dos planos de contingência, dos planos diretores. Acho que a COP vai ter foco nisso. E isso, para nós, como Estado que sofre com essas intempéries, é sensacional. Porque é isso que queremos mostrar.
Como o governo do Estado vai se posicionar na COP?
Até nossa preparação para a COP mudou. Estávamos com grandes projetos de transição energética, de recuperação de áreas degradadas. Seguimos com eles, mas, agora, há a necessidade de adaptação e de revisão das áreas de inundação, por exemplo. São projetos que a gente vai levar para a COP.
A senhora terá reuniões com empresários em busca de financiamento para projetos?
Na primeira COP da qual participamos, de Glasgow, o governador teve algumas reuniões com financiadores e com outros governos subnacionais, para que mostrássemos as potencialidades do RS. No ano passado, no Egito, o governador não esteve, mas fizemos explanações sobre projetos de hidrogênio verde e agricultura de baixo carbono. No ano passado, levamos a Secretaria da Agricultura. Já foi diferente porque tivemos uma participação mais efetiva. Nas COPs, o Brasil é visto como se fosse apenas Amazônia. Para nós que somos do RS, isso incomoda muito.
Com a proposta do presidente Lula de realizar a COP30 em Belém (Pará), deve aumentar essa percepção de que o Brasil é só a Amazônia?
A maioria da produção de exportação agropecuária brasileira não é executada no bioma amazônico. Temos outros biomas tão ou melhores do ponto de vista do balanço das emissões. Neste ano, na COP, fortaleceremos mais uma vez a ideia de que temos uma agricultura e pecuária sustentáveis, de baixo carbono, praticadas no sul do Brasil. Buscaremos mostrar o nosso sistema produtivo, validar nossos números de emissões, conexões com os municípios e potencialidades energéticas. A gente fala muito de hidrogênio verde, mas aqui no RS, a gente tem de falar também de biodiesel e etanol produzido a partir de cereal, que são combustíveis que irão impulsionar essa transição energética. A gente vai levar (para a COP) esse pacote, porque não são só os eventos de cheia que têm nos acometido. Tivemos três anos de seca, e isso também é um movimento de crise climática. A ideia do governo do Estado é mostrar as perdas em relação a esses extremos climáticos e buscar financiamento para que os danos sejam minimizados. Temos limites de inserção na redução global dessas mudanças, mas podemos ter apoio financeiro internacional para que possamos nos preparar melhor para essa adaptação e resiliência. Acredito que estaremos mais efetivos, dizendo: "Olha, temos a Mata Atlântica aqui, e a gente também precisa de subsídios financeiros para ajudar a preservar esse bioma, que também é importante". Há ainda o Pampa, que é só do RS, onde a Embrapa tem uma série de pesquisas da produção pecuária que alia capacidade de carga ótima, de quantidade bovino por hectare, com altura do pasto, que consegue balanços neutros ou negativos (de emissões de carbono). Poucos Estados e países podem fazer isso: mitigar a emissão (de gases poluentes) na cidade, que precisa ser reduzida, mas que ela não consegue compensar. Temos essa capacidade, porque vivermos em um território com esse desenvolvimento agropecuário bem acentuado, que não só suporta nossa economia como dá uma contribuição ambiental. O mundo precisa enxergar isso.
A cada nova tragédia das chuvas, a gente observa uma postura muito reativa, com pouco foco na prevenção. Como mudar?
Eu sou de Lajeado (no Vale do Taquari), e lá a gente está acostumado a conviver com enchentes. Antes dessa segunda (inundação), eu falava sobre "enchentes ordinárias", que eram de quotas mais baixas, que atingiam regiões ribeirinhas. Muitas áreas já estavam sofrendo processos de relocação de pessoal. Aí tivemos a cheia do início de setembro, que foi muito maior, chegou a locais aos quais as águas não chegavam desde 1940. Essa segunda (enchente) veio como a do início de setembro. Mas de forma mais lenta. Os alertas e a organização da Defesa Civil estadual com as regionais e municipais, na minha ótica, funcionaram melhor. Tivemos retirada das famílias antes da chegada da água. Reforço que os alertas servem para salvar as vidas, mas não salvam casas, patrimônio nenhum. Os alertas serviram, e se executou de maneira mais rápida e eficiente nesse último evento. Mas as cidades vão precisar de revisão de planos de contingência, revisão das áreas de inundação e dos planos diretores.
Remoção de populações é algo muito difícil de ser feito.
É mais difícil, porque ninguém quer sair de onde está. As cidades começaram na beira dos rios. Hoje, assisti a um vídeo muito bonito do prefeito de Lajeado (Marcelo Caumo, PP), dizendo que não deveríamos amaldiçoar o Rio Taquari. Ele foi e é fonte de renda para o todo o Vale, mas hoje está em uma configuração que a gente vai ter de repensar.
Como estabelecer uma nova relação com o rio?
O governo não tem essa responsabilidade imediata de ordenamento urbano. Mas como a gente está falando de mais de uma cidade, de uma bacia hidrográfica, estamos trabalhando e vamos buscar na COP projetos que possam ter planos de ação para minimização desses impactos tanto de cheias quanto de secas. Precisamos estudar, mas talvez tenha de haver barramentos, contenções. Certamente, terá de haver desassoreamento (do rio) e o redesenho das áreas de inundação. Além disso, um plano de realocação desses municípios. Vai ser chato de se fazer porque ninguém quer sair de sua residência, mas precisamos evitar ao máximo o risco. A Defesa Civil também tem planos específicos de ampliação do mapeamento das áreas de risco, esse é um quesito a médio prazo que evita problemas posteriores. Saiu a publicação no Diário Oficial sobre a implantação do Gabinete de Crise, um dos instrumentos trazidos pelo Programa ProClima 2050. O gabinete é uma estrutura de governança dentro do governo estadual que traz a correlação entre o Executivo, a sociedade civil e um conselho científico, que apontará as necessidades de estudo para que o governo tenha planos de médio e longo prazos para a minimização desses eventos extremos. Estamos caminhando nessa direção, mas não estávamos, de fato, acostumados a ter de responder a um evento completamente novo, no meio de uma agenda que já é cheia de desafios e limitações econômicas e de pessoal.
Quais foram os aprendizados entre uma e outra enchente?
Quando aconteceu a primeira vez (enchente de setembro), a minha percepção no Vale do Taquari, de quem mora ainda em Lajeado, como eu, foi: "A gente precisa ter uma operação como a que se tem onde tem maremotos, terremotos". Além de saber o que fazer, a gente precisa educar a sociedade. A Defesa Civil chegar e dizer a um morador: "O senhor precisa sair". E o senhor sai. A gente não pode perder o "quente" do momento, em que estão todos impactados (com as tragédias ambientais) para que essa educação comunitária aconteça. Esse segundo evento já trouxe uma consciência maior da população, que não ficou nas suas casas.