A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) de 2022 no Egito, que ocorrerá entre 6 e 18 de novembro, será mais uma edição na qual países se reunirão para discutir como está o aquecimento global e decidir ações para combater o cenário. Grandes medidas são cada vez mais urgentes, observam especialistas, destacando que o Brasil participará com pouco protagonismo.
A COP é um encontro anual promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para reunir a grande maioria dos países do mundo a fim de discutir medidas de combate ao aquecimento global.
A edição deste ano será a 27ª e ocorrerá após a divulgação, em fevereiro, dos preocupantes resultados do Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Cientistas revelaram que o planeta tem até 2025 para frear emissões de CO2, que a guerra na Ucrânia piorou a crise energética e que, até 2050, quase 1 bilhão de pessoas viverão em áreas costeiras sob risco de submersão.
— A COP27 traz uma urgência de que precisamos assumir ação global semelhante ao que houve na pandemia de covid. Em meio à guerra na Ucrânia, crise econômica global e crises políticas, a ideia é chamar a atenção com megafone: precisamos implementar juntos o combate à mudança climática. A economia global e a saúde da humanidade vão colapsar se não fizermos nada — salienta o climatologista Francisco Aquino, professor e pesquisador no Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Especialista em política climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann destaca que a COP27 terá debates centrados em dois pedidos: países em desenvolvimento cobrarão de nações ricas dinheiro para implementar ações de combate ao aquecimento global e também verba para reparar prejuízos já existentes do aquecimento global, gerados por enchentes, furacões e secas.
— O IPCC deu uma mensagem muito clara dos cientistas de que temos cerca de sete anos para cortar emissões em 43% até 2030 se quisermos ter chance de limitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC, o que é decisivo para a existência de países inteiros. Ao mesmo tempo, temos metas propostas por países que levam o mundo a 3ºC mais quente, então não estamos na rota correta. O chamado da ciência é de que precisamos fazer mais e se comprometer com mais metas — diz Herschmann.
O Brasil na COP27
Nesta COP, o Brasil terá, pela primeira vez, três estandes no evento, que ocorre em um imenso pavilhão. Haverá espaços para governo federal, sociedade civil (ONGs e think-tanks) e, pela primeira vez, um consórcio dos governadores amazônicos, que não quiseram ficar ao lado do governo de Jair Bolsonaro perante chefes de Estado de outros países. Antes de Bolsonaro, o Brasil tinha apenas um estande na COP.
Governadores defenderão o desenvolvimento sustentável na Amazônia, lançarão plano de combate ao desmatamento e tentarão discutir ações pelo clima com investidores. A possibilidade de atrair capital internacional pode ajudar a recuperar áreas desmatadas, gerar empregos “verdes” e conservar áreas ameaçadas.
Também há a expectativa de reativar o Fundo Amazônia, financiado por governos da Alemanha e Noruega e desativado pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
Em vez de focar em promessas de combate ao desmatamento, o governo federal tentará promover a imagem de que o Brasil é referência em energias limpas, graças ao grande uso de hidrelétricas.
Em nota enviada a GZH, o Ministério do Meio Ambiente afirma que o governo buscará “financiamento climático para mitigação e adaptação, especialmente para incentivar a produção de energias limpas (biomassa, eólica e solar) e de hidrogênio verde”.
O esforço ocorre em meio à crise energética mundial afetada pela guerra na Ucrânia e em meio à perda de prestígio que o Brasil vem enfrentando, com aumento de queimadas e do desmatamento e desarticulação de órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).
— Temos a possibilidade de mostrar um Brasil real, mais sustentável, especialmente em relação às energias. Essa conferência vai olhar muito para a energia, que é um desafio global com a crise energética que está ocorrendo. Nossa energia está sendo olhada pelos outros países como uma oportunidade de investimento. O que temos desenhado como estratégia é levar o Brasil das energias verdes e as oportunidades de consumo dessa energia — afirmou o ministro Joaquim Leite em reunião com empresários da Câmara Americana de Comércio para o Brasil.
Para Herschmann, do Observatório do Clima, o governo federal tentará melhorar a imagem internacional.
— A temática de energia verde que o governo brasileiro tentará emplacar é quase um reconhecimento de que não conseguiram emplacar o discurso do Brasil como grande protetor de florestas. Os dados mostram que o Brasil é o país que mais destrói floresta tropical do mundo. Todos os anos, desmatamos acima de 10 mil quilômetros quadrados, o que não víamos há mais de uma década. De fato, a matriz energética brasileira é mais limpa do que a de outros países. O problema é que o este governo propôs um programa do carvão sustentável, o que é uma incoerência, inclusive o mundo está abandonando o carvão — diz a especialista.
E o Rio Grande do Sul?
Discussões da COP27 podem afetar a vida dos gaúchos. A presidente da think-tank ambiental Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, afirma que a perda de protagonismo do Brasil nas discussões climáticas resulta em menor atratividade para investimentos estrangeiros que servem para fomentar ações de energias renováveis e outras formas de combater o aquecimento climático.
— Não estamos aproveitando oportunidades e, enquanto isso, outros países passam na frente. Indonésia e África do Sul estão captando muito recurso. A África do Sul levantou no último ano US$ 12 bilhões para fazer transição energética e sair do carvão para energias renováveis. Você já imaginou o quanto o Rio Grande do Sul, que tem minas e carvoeiras, poderia estar se beneficiando de um pacote de transição focado nos trabalhadores, em requalificar os empregos e até converter plantas de carvão para biomassa? É uma oportunidade que não estamos aproveitando — afirma.
No ano passado, na Escócia, o governo do RS esteve presente e foi elogiado pelas articulações em prol do meio ambiente. O Estado lançou o Avançar no Clima, com investimento de R$ 193,2 milhões em sustentabilidade. A gestão Leite ainda anunciou um plano de metas climáticas para o Estado e se comprometeu a investir na economia de baixo carbono.
Neste ano, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul confirmou presença na COP27 . Segundo a secretária Marjorie Kauffmann, o Estado pretende apresentar a configuração do sistema produtivo presente no Rio Grande do Sul, principalmente com relação à parte agrícola.
— Criamos uma transversalidade com a Secretaria da Agricultura porque temos um Estado que vive da agricultura. Aqui temos um tipo de agricultura que é indicado para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, que é a agricultura de baixo carbono, pecuária adequada com quantidade de animais por hectare e altura de passagem adequada. Isso influencia nas emissões e no sequestro de carbono, dependendo do tipo de manejo — ressalta a secretária.
O Estado, conforme Marjorie, também apresentará as potencialidades energéticas, podendo ser foco de investimento para os grandes usuários de petróleo e gás que irão em busca de matriz renovável. Para a secretária, a COP é uma vitrine onde se pode oferecer as fontes renováveis presentes no Estado.
— O Rio Grande do Sul e o Brasil têm potencial eólico e solar gigantesco. Então, vamos mostrar isso por meio de agendas pontuais e também com fundos de investimentos. Se conseguirmos mostrar este modelo produtivo, podemos atrair investidores e agregar valor aos nossos produtos. Podemos certificar e agregar valor à carne do Pampa, agregar valor e buscar fontes de financiamento para o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que é o valor destinado aos que conservam as florestas no Estado — destaca a secretária.
* Colaborou Aline Custódio