A transição de governo não vai parar em Brasília, mas muitas das definições sobre os próximos passos ficarão para o retorno do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, da viagem à COP27, no Egito. Ele deixa a capital nesta sexta-feira, retornando a São Paulo, e viaja para Sharm el-Sheikh, balneário egípcio entre o deserto do Sinai e o Mar Vermelho, na segunda-feira (14).
Convidado a integrar a comitiva pelo consórcio de governadores da Amazônia Legal, Lula escolheu cirurgicamente os dias para estar no Egito. No evento de duas semanas, ele optou pela fase quente, quando compartilhará corredores com Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e Emmanuel Macron, da França. A tática é surfar na popularidade e na boa receptividade dos principais líderes internacionais, que o parabenizaram pela vitória nas eleições do dia 30 tão logo os votos haviam sido contabilizados.
Na agenda oficial da conferência das Nações Unidas para as mudanças climáticas, Lula não deve falar. Mas não será surpresa, na Babel de eventos que pululam a COP, organizações da sociedade civil ou os próprios governadores da região da Amazônia legal arranjarem algum momento de fala para o presidente eleito. A verdade é que boa parte do mundo quer ouvir Lula. E Lula quer falar para o mundo.
Primeira viagem internacional como futuro presidente, a jornada no Egito, ainda que rápida, é um retrato do que seus assessores mais próximos desejam para a política externa: relançar o protagonismo brasileiro nas questões ambientais, no multilateralismo e na defesa das relações Sul-Sul.
O Brasil, no governo petista, entre 2004 e 2012, o desmatamento da Amazônia caiu 80%, e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede-SP), com passado ambientalista, era recebida com tapete vermelho nos fóruns internacionais. Na viagem, Marina irá acompanhar Lula, que convidou nesta semana para a delegação também o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). As especulações sobre o futuro ou futura titular da pasta já passam pelos dois, além da também ex-ministra Izabella Teixeira (2010-2016). Mas como o próprio presidente eleito já insinuou que não deseja figuras repetidas em seu futuro ministério, a aposta da vez em Brasília recai sobre Randolfe.
Com relação ao multilateralismo, a conferência da ONU é a quintessência do institucionalismo da comunidade internacional - ou seja, do respeito às regras e regimes acordados entre as nações, tudo o que Lula defende. E o fato de a conferência ocorrer em um país pobre significa oportunidade para o futuro governo colar o mantra da defesa do Sul Global.
Se a COP27 é a oportunidade perfeita para Lula relançar o protagonismo brasileiro em um primeiro mandato que deve ser marcado por viagens internacionais, o palco da conferência sintetiza o estado de espírito de um Brasil cindido. Na miríade de estandes, o país contará com três: um oficial, do Ministério do Meio Ambiente, com 300 metros quadrados, em parceria com as Confederações Nacionais da Indústria e da Agricultura, a Agência de Promoção de Exportações (Apex) e o Sebrae; o da Amazônia Legal, que convidou Lula; e o da sociedade civil, composta por ambientalistas e acadêmicos.
O governo que está saindo quer vender a imagem de um país campeão em energia sustentável e parte da solução nas crises energética e alimentar. Somos tudo isso, mas a imagem oficial tergiversa sobre a alta do desmatamento. Por isso, os governadores da região amazônica rejeitaram ficar sob o mesmo teto e implementaram a ideia de ter representação própria. A sociedade civil, crítica de Jair Bolsonaro, também terá seu próprio canto no mundo.
Nos bastidores, Bolsonaro tem chamado Lula de "usurpador" - a mesma expressão utilizada pelos aliados de Juan Guaidó para se referirem a Nicolás Maduro na Venezuela - e afirmou que ele quer "vestir a faixa" antes da hora. A verdade é que a conferência é aberta a chefes de Estado de todos os 193 países integrantes da ONU. Está marcada há pelo menos um ano. E Bolsonaro só não vai porque não quer. Aliás, seu governo será representado por uma das maiores delegações brasileiras já vistas na história das conferências do clima - pelo menos 500 integrantes, a maioria de setores simpáticos a sua política, e por três ministros de Estado.