Em outubro, quando as duas campanhas à Presidência apontavam a tributação de dividendos como possível saída para o desequilíbrio entre receita e despesa, a coluna ouviu de Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal e formulador das propostas de emenda constitucional (PECs) 45 e 110, pilares da reforma tributária, que, se a reforma fosse feita da forma correta, não traria muita receita extra.
O grande ganho seria a simplificação da arrecadação, que resultaria em maior crescimento econômico, e, aí sim, aumento da receita pública. É com esse foco que Appy vai assumir a Secretaria Especial da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda comandado por Fernando Haddad. O cargo criado para essa finalidade é uma forma de sinalizar que, de fato, essa é uma prioridade do próximo governo.
Segundo Appy, a reforma tributária já poderia ter sido aprovada se tivesse recebido apoio do atual governo. A resistência, ponderou, foi política, não técnica:
— Foi vista como uma agenda de Rodrigo Maia (ex-presidente da Câmara dos Deputados), de quem o ministro da Economia e o presidente da República não gostam. Não andou porque o governo resolveu bancar a proposta da CPMF que, até hoje, é o ideal de reforma do Guedes.
Por isso, avaliava o economista ainda antes de ser indicado como responsável por essa tarefa no novo mandato de Lula, "tem chance grande de avançar no próximo governo". Entre os motivos para esse otimismo, cita o amadurecimento e, principalmente, a "identificação mais clara das resistências" que ocorreu durante as discussões na comissão mista do Congresso:
— Esse tipo de reforma sempre gera resistência. Existem as setoriais, que devem ser superadas com negociação e alguns ajustes. Do ponto de vista federativo, os grandes municípios não querem perder a competência de cobrar ISS (Imposto sobre Serviços). Entre os setores, o de serviços resiste mais. Em parte, é por incompreensão do projeto. Os prestadores de serviços que estão no meio da cadeia serão beneficiados. Vai exigir alguma negociação, talvez com outra medida, como a desoneração da folha de salários. Também há parte do setor agrícola que resiste à reforma tributária, mas ainda é possível negociar.
Na entrevista, Appy também indicou qual deve ser sua estratégia para fazer a proposta avançar: disse que o governo não só precisa usar seu capital político, mas ajudar a população a entender. E já diagnosticou que isso não vai ocorrer falando em "reforma da tributação sobre o consumo", mas apontou o que quer "vender" à sociedade: aumento de poder de compra. E ressalvou:
— Não é imediato, mas vem no longo prazo.
Assim como vários economistas que defendem equilíbrio entre responsabilidade fiscal e social, Appy ponderou que a maioria dos países desenvolvidos tem as duas tributações, uma sobre as empresas e outra sobre os dividendos - recebidos por pessoas físicas. Nesse caso, disse, a alíquota sobre a empresa é muito mais baixa do que no Brasil:
— Se passar a tributar dividendos sem mudar a cobrança de imposto de renda de empresas, vai ter efeito muito negativo sobre a atração de investimentos para o país. Em consequência, efeito negativo sobre o crescimento de longo prazo. Então, na prática, a taxação de dividendos tem de ser adotada com redução na alíquota das empresas. Sou a favor da redução da alíquota do IR das empresas e da taxação de dividendos. Tem problemas, mas mais benefícios do que custos.
Appy lembrou que, quando se fala em "reforma tributária madura" para aprovação, a referência é sobre a mudança nos impostos sobre o consumo. Basicamente, seus projetos preveem a substituição de cinco tributos - IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS - por um, por apenas um. Além disso, a agenda do futuro governo prevê mudanças também no Imposto de Renda, que está fora das PECS mais avançadas. Na avaliação do economista, o projeto que muda o IR já aprovado na Câmara é "muito ruim":
— É melhor não aprovar nada do que aprovar do jeito que está. Por exemplo, prevê que todas as empresa com faturamento até R$ 4,8 milhões serão isentas na distribuição de dividendos. O discurso parece correto: seria um benefício para pequenas empresas. Mas cria um baita problema para o Brasil. Vai estimular empresas a se fragmentarem para continuar dentro do limite. Uma empresa com receita de R$ 40 milhões vai querer se dividir em 10 para ficar isenta. Isso é um desastre do ponto de vista distributivo. Essa faixa, que já paga pouco, vai pagar menos ainda. E ainda é péssimo do ponto de vista da competitividade das empresas brasileiras.
Para resolver os problemas - os citados são só exemplos que a coluna pediu -, Appy disse que o próximo governo pode aproveitar o projeto atuar e combinar com o relator emendas que corrijam as distorções ou apresentar um projeto novo. E insistiu em uma ideia:
— Em qualquer caso, faria muito sentido ter uma medida de desoneração da folha, sobretudo para a parcela do salário mínimo em todas as remunerações. Isso teria um efeito positivo sobre a formalização, o crescimento e a distribuição de renda. Claro, precisa ver como financia. Uma alternativa seria a revogação de benefícios fiscais. O problema é que, por trás de cada benefício, tem algum interesse. Vai depender da capacidade de negociação.