Foi preciso uma liminar de Gilmar Mendes e um voto-surpresa de Ricardo Lewandowsky, ambos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o acordo de votação da PEC da Transição chegasse a um formato que, se for confirmado, indicará a vitória da lógica do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Ainda antes da apresentação formal do pedido de R$ 198 bilhões, aliados creditavam o valor elevado à prática de negociação sindical de Lula: pedir o dobro para levar metade. Se ficou com um quarto do prazo - em vez dos quatro de mandato, vai valer só por um ano -, o presidente vai garantir bem mais do que a metade: o efeito líquido equivale a 90% do original.
Como assim? Além dos R$ 168 bilhões que estariam garantidos no acerto entre o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), há um extra de R$ 9,7 bilhões. O valor é resultado da divisão entre Executivo e Congresso dos R$ 19,4 bilhões previstos no "orçamento secreto" de 2023.
Como esse instrumento foi considerado inconstitucional pelo STF, a quantia já prevista no orçamento oficial foi dividida. Metade ficará disponível para o Executivo, outra vai para emendas individuais, que são impositivas, quer dizer, têm pagamento obrigatório. Agora, a PEC terá de voltar ao Senado - a intenção é votar em dois turnos na Câmara e mais dois na casa revisora ainda nesta terça-feira (20). Haveria oportunidade de desbastar mais R$ 10 bilhões do pedido original, mas isso parece não ter ocorrido aos envolvidos na negociação.
Como a coluna já havia demonstrado, a liminar de Gilmar Mendes foi mais uma jogada de efeito do que uma alternativa real à PEC para o futuro governo, porque permitiria apenas a complementação dos recursos necessários à manutenção do benefício mínimo de R$ 600 para o Bolsa Família. Seria algo entre R$ 52 bilhões e R$ 80 bilhões - faltam detalhes sobre o alcance da autorização -, pouco perto dos R$ 178 bilhões que parecem bem encaminhados até a metade da tarde (nesse assunto, reviravoltas podem ocorrer a qualquer momento).
Mesmo ainda elevado, o valor parece não ter incomodado o mercado financeiro, que reagiu intensamente à proposta de R$ 198 bilhões sem prazo determinado - e menos na versão para quatro anos. A bolsa de valores até desacelerou a alta depois de saber do acordo, mas segue com alta em torno de 2%. O dólar cai em igual proporção, cerca de 2%, para R$ 5,20.