O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta segunda-feira (19) a votação de quatro ações que questionam a constitucionalidade da destinação de recursos do orçamento da União por meio das emendas de relator — mecanismo chamado de orçamento secreto. A decisão, por maioria dos 11 ministros da Corte, foi que o instrumento não encontra lastro na Constituição. Com isso, as emendas de relator, identificadas pelo código RP9, devem voltar a ser utilizadas apenas para ajustes no orçamento.
O Supremo determinou que todas as unidades orçamentárias e órgãos da Administração Pública que fizeram empenho ou liquidação de recursos indicados via emendas de relator, entre 2020 e 2022, façam em até 90 dias a publicação dos "dados referentes a serviços, obras e compras realizadas com verbas públicas". A Corte estabeleceu o mesmo prazo para que o governo identifique os autores e beneficiários dos repasses das emendas, "de modo acessível, claro e fidedigno".
A sessão desta segunda, que também marcou o encerramento do ano do Judiciário, começou com o placar em 5 a 4 pela inconstitucionalidade das emendas, faltando os votos dos ministros Ricardo Lewandowksi e Gilmar Mendes.
O primeiro a votar foi Lewandowski, que votou pela inconstitucionalidade, formando maioria neste sentido. O ministro reconheceu que houve esforço do Congresso a fim de aumentar a transparência na destinação destes recursos, após uma decisão de novembro de 2021 — que manteve os pagamentos das emendas de relator, mas determinou que houvesse publicidade sobre a destinação dos recursos e que fosse criado um sistema de monitoramento —, mas ressaltou que esta determinação acabou não sendo integralmente cumprida.
Ele ainda citou a votação de uma resolução, na sexta-feira, que estabeleceu critérios na distribuição das emendas e disse que o voto dele visava, também, demonstrar ao Congresso que este movimento foi levado em consideração, embora não tenha solucionado os principais problemas do mecanismo.
— Embora agora a distribuição das verbas seja menos arbitrária, porquanto deverá ser proporcional ao tamanho das bancadas, ela não será equânime, como ocorre no caso das emendas individuais. O fato é que alguns parlamentares continuarão recebendo mais e outros menos e o líder partidário poderá distribuir o dinheiro dentro da legenda sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas — argumentou Lewandowski.
O ministro citou diversas vezes o voto da ministra Rosa Weber, presidente do STF e relatora das ações em julgamento, indicando que acompanharia o entendimento dela, que foi pela inconstitucionalidade do instrumento.
— A falta de planejamento centralizado e adequado na distribuição de importante parcela do orçamento federal, realizada não raro ao arrepio dos interesses maiores da nação, gizados em nossa lei maior, deficiência essa ampliada pela falta de transparência e pela ausência de limitações apropriadas para alocação dos recursos públicos, acabam por gerar graves impactos sobre o funcionamento do Estado e, por consequência, sobre a vida da população brasileira — disse.
Por fim, Lewandowski votou acompanhando totalmente o entendimento de Rosa, formando maioria pela inconstitucionalidade do orçamento secreto.
Gilmar Mendes concordou parcialmente com as ações propostas, que alegavam que a destinação de recursos pelas emendas de relator era inconstitucional. Ele reconheceu que as RP9 não respeitam as regras de transparência e opinou que o mecanismo reduz o caráter nacional do orçamento, porque muitas destinações de verbas são para demandas locais, sem compromisso com as políticas públicas federais, e poderia dar ao relator da peça orçamentária o poder de ditar prioridades da União, criando uma espécie de semipresidencialismo.
— Não se deve demonizar a priori o regime de alocação de recursos orçamentários por emendas parlamentares de relator, que são definidas a partir de acordos políticos em um contexto onde se faz necessário conciliar um conjunto de pleitos de diversos grupos de interesse. Todavia, a força normativa do princípio constitucional republicano e do princípio constitucional da publicidade administrativa impõe que deve ser transparente e mapeável todo o processo de tomada de decisão do Congresso Nacional que resulta na alocação de recursos públicos — argumentou.
No entanto, defendeu que o repasse dos recursos poderiam ter continuidade se todas as demandas apresentadas pelos parlamentares por este meio fossem registradas em uma plataforma centralizada, com amplo acesso público, transparência e rastreabilidade, e houvesse prestação de contas da aplicação dos recursos.
Gilmar Mendes ainda disse que esta decisão do STF não encerra o debate e fez uma projeção:
— Não é preciso ser futurólogo para adivinhar que uma próxima emenda sobre essa temática, nós tivemos quatro emendas em curto espaço de tempo, trará, com o nome que bem entender, a RP9 constitucionalizada. Não quero ser profeta do caos, mas é esse o dado que se coloca. Ou, o que também ocorre e já ocorreu, emendas do relator segregadas que funcionarão como emendas nesse estilo RP9.
Ao fim do julgamento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a palavra e registrou mudança de posicionamento na PGR. Inicialmente, o órgão teve posição contrária ao voto da relatora e defendia a legalidade do instrumento. No decorrer da discussão, no entanto, destacou Aras, acabou por rever este entendimento e aprovar o voto de Rosa Weber, pela inconstitucionalidade.
Votaram pela inconstitucionalidade da destinação de recursos orçamentários pelas emendas de relator, além de Rosa Weber, Ricardo Lewandowski: Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Luis Roberto Barroso. Outros cinco ministros — André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes — entenderam que o relator do orçamento poderia distribuir verbas, desde que houvesse aprimoramento do mecanismo, tendo em vista, principalmente, a transparência.