Investigações que envolvem governos costumam seguir a máxima "siga o dinheiro", ou seja, descubra por onde recursos trafegaram e a quem beneficiaram. É o que deve começar nesta terça-feira (27), quando for instalada a CPI da Covid.
A expressão foi popularizada pelo filme Todos os Homens do Presidente, embora não esteja no livro dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein sobre a história real do escândalo de Watergate, que derrubou o então presidente dos Estados Unidos Richard Nixon.
Se os jornalistas estabeleceram conexões, foi uma comissão parlamentar americana, conhecida como Comitê do Senado sobre Watergate, que forçou Nixon a renunciar. No Brasil, as CPIs já constituíram poderosos instrumentos de investigação, como o que expôs o "esquema PC Farias", em 1992 – primeira de peso depois da ditadura militar – , ou a dos Correios, em 2005, que acabou desvendando o mensalão. Mas acabaram virando 'caça-holofotes' de baixa ou nula eficácia. CPI sozinha não depõe, não manda para a cadeia, não responsabiliza penalmente.
Aberta por determinação judicial, portanto à revelia do comando do Senado, a CPI da Covid pode ser mais um fiasco ou resgatar a força do instrumento parlamentar. Se era muito previsível, ganhou munição com a lista de 23 possíveis focos elaborada pelo próprio Palácio do Planalto e revelada no domingo, que deve passar a ser o novo roteiro.
No caso da CPI da Covid, uma principais das tarefas será entender para o onde o dinheiro não seguiu: por que faltaram campanha para uso e distribuição de máscaras, testes, vacinas, medicamentos para entubação. E porque não houve organização mínima, para ajudar, e máxima, para não atrapalhar, como nos casos das desastradas compras de seringas e requisição das fórmulas do kit que permite conectar pacientes a equipamentos de ventilação.
Em todos esses momentos de decisão, a prioridade não foi a saúde do brasileiro, que é obrigação do poder público, segundo a Constituição que todo presidente jura obedecer. As escolhas foram feitas em nome de uma ideologia que perdeu seu grande defensor com a derrota de Donald Trump, de crendices, da disputa de 2022, de teses de médicos que parecem mais simples a mentes que desdenham fatos e dados.
A tese da corrupção de prioridades não é nova. Ganhou força nos protestos de 2013 relacionados aos pesados investimentos feitos para a Copa do Mundo em detrimento de hospitais e escolas. O Brasil é vítima de escolhas erradas há séculos. Mas com exceção de outro genocídio indígena (veja como o governo inclui esse tópico de investigação na lista completa abaixo), o que ocorreu na era pós-descobrimento, poucas vezes más decisões custaram tantas vidas.
Na manhã desta segunda-feira (26), a Casa Civil reconheceu a autoria da lista e justificou que sua elaboração se deve à tentativa de buscar argumentos para desmontar "mentiras" sobre a pandemia. Com a inclusão da demora do auxílio emergencial e da "ineficácia" do Pronampe (termo usado pela Casa Civil, do qual a coluna discorda, porque houve atraso e problema de encaminhamento, mas foi o programa mais eficiente na área econômica), a lista do Planalto joga o ministro Paulo Guedes, da Economia, no colo da CPI.
O escalado para fazer o vilão é Eduardo Pazuello, acusado de "incompetência" por outro ex-assessor presidencial. Como Bolsonaro fez questão de lembrar, em várias ocasiões, quem manda é ele, e os ministros "obedecem".
As 23 acusações previstas pelo Planalto
1. O governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac
2. O governo minimizou a gravidade da pandemia (negacionismo)
3. O governo não incentivou a adoção de medidas restritivas
4. O governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas
5. O governo retardou e negligenciou o enfrentamento à crise no Amazonas
6. O governo não promoveu campanhas de prevenção à covid
7. O governo não coordenou o enfrentamento à pandemia em âmbito nacional
8. O governo entregou a gestão do Ministério da Saúde a gestores não especializados (militarização do MS)
9. O governo demorou a pagar o auxílio emergencial
10. Ineficácia do Pronampe
11. O governo politizou a pandemia
12. O governo falhou na implementação da testagem (deixou vencer os testes)
13. Falta de insumos diversos
14. Atraso no repasse de recursos para os Estados destinados à habilitação de leitos de UTI
15. Genocídio de indígenas
16. O governo atrasou na instalação do Comitê de Combate à covid
17. O governo não foi transparente e nem elaborou um Plano de Comunicação de enfrentamento à covid
18. O governo não cumpriu as auditorias do TCU durante a pandemia
19. O Brasil se tornou o epicentro da pandemia e 'covidário' de novas cepas pela inação do governo
20. General Pazuello, general Braga Netto e diversos militares não apresentaram diretrizes estratégicas para o combate à covid
21. O presidente Bolsonaro pressionou Mandetta e Teich para obrigá-los a defender o uso da hidroxicloroquina
22. O governo federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer
23. O governo federal fabricou e disseminou "fake news" sobre a pandemia por intermédio do seu gabinete do ódio