A promessa do governo federal de dar fôlego à campanha de vacinação contra o coronavírus a partir deste mês ainda não se concretizou no Rio Grande do Sul.
Mantida a média de 39,3 mil aplicações diárias registradas em abril no Estado, limitadas principalmente pela escassez de doses enviadas pelo Ministério da Saúde, a imunização dos 5 milhões de integrantes dos grupos prioritários só seria concluída em pouco mais de seis meses e meio — no início de novembro.
Essas pessoas demandam 10,1 milhões de doses para completar o esquema vacinal com duas aplicações. Até essa quarta-feira (14), foram injetadas 2,2 milhões e ainda faltavam chegar 7,9 milhões aos braços da população. Cronogramas iniciais do Ministério da Saúde indicavam que todo esse volume poderia estar disponível em maio, mas na prática isso não tem se confirmado em razão de sucessivas reduções no cronograma de envio dos imunizantes.
Isso não quer dizer que o atendimento integral desses grupos vai de fato se arrastar até o final do ano, já que se espera um progressivo aumento na disponibilidade desses produtos nos próximos meses no país. Mas o cálculo explicita a defasagem entre a dimensão dos lotes disponibilizados até o momento e o que seria necessário para proteger a fração mais vulnerável da população em um período razoável.
— Temos capacidade de vacinar muito mais do que estamos fazendo, ainda mais por meio de parcerias (entre as redes pública e privada). O que falta é vacina suficiente para fazer com que isso aconteça na velocidade necessária — analisa o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha.
Os números comprovam que não falta estrutura para distribuição e aplicação das doses. O Estado já conseguiu oferecer 82,4 mil injeções em 30 de março, recorde em 24 horas até o momento — praticamente o dobro da média diária de 39 mil calculada com base nos primeiros 10 dias deste mês. O período posterior a essa data foi desconsiderado porque costuma haver alguma demora no registro das imunizações, e isso poderia gerar uma distorção no cálculo.
O ritmo de abril, por esse recorte, é apenas 4% superior ao verificado em março (veja detalhes no quadro abaixo), e muito abaixo do que o Rio Grande do Sul deveria estar aplicando com base em promessas feitas pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O ministro projetou que o país vacinaria um milhão de pessoas por dia em abril.
Como os gaúchos costumam receber algo em torno de 6% das cargas despachadas por Brasília, isso significaria 1,8 milhão de doses neste mês, o equivalente a uma média de 60 mil pessoas beneficiadas por dia. Se esse patamar tivesse sido atingido, seria possível imunizar todos os grupos prioritários até agosto. Essa meta está mais distante.
Da carga estimada para o Estado receber em abril, chegaram por enquanto 301.550 doses, e uma remessa projetada entre 428 mil e 434 mil unidades deverá desembarcar até sexta-feira (16), somando algo entre 729,5 mil e 735,5 mil no período. Na melhor das hipóteses, ainda faltaria despachar pouco mais de um milhão de doses nas próximas duas semanas.
O Ministério da Saúde sustenta que vem enfrentando dificuldades de entrega por parte de fabricantes, mas garante fazer esforços para tentar ampliar a oferta. Nesta quarta, a pasta informou que conseguiu antecipar a entrega de 2 milhões de doses da vacina da Pfizer, o que totalizaria 15,5 milhões unidades adquiridas dessa empresa até junho.
Atrasos aumentam risco de mortes e de novas mutações
Mesmo que a União consiga futuramente aumentar a frequência e o volume das remessas de vacina feitas ao Rio Grande do Sul, cada dia a mais de lentidão representa uma ameaça principalmente para os integrantes dos grupos de risco.
O Estado está terminando de contemplar forças de segurança e as últimas faixas de idosos para, somente depois disso, iniciar a convocação do grupo de 1,1 milhão de pessoas com algum tipo de comorbidade como doenças cardíacas ou pulmonares.
A demora em receber a primeira e, consequentemente, a segunda dose necessária para oferecer proteção máxima deixa as populações mais vulneráveis sujeitas por mais tempo a uma eventual contaminação pelo coronavírus e a complicações.
O virologista e professor da Universidade Feevale Fernando Spilki sustenta que o ritmo vagaroso favorece um maior número de mortes evitáveis na pandemia.
— Basta ver que, onde já foi implementada a vacinação, em alguns grupos específicos já vêm sendo reportadas situações de menos internações e óbitos — observa Spilki.
Outra ameaça dos constantes atrasos é que, ao não decolar, o programa de imunização brasileiro deixa campo livre para o vírus seguir agindo.
— O prazo colocado atualmente é longo demais. Essa vacinação lenta posterga a resolução do problema e dá espaço para que o vírus, e as próprias variantes, acumulem mais mutações — explica o virologista.
Isso quer dizer que, quanto mais tempo leva para a vacinação barrar a circulação do vírus, mais chances ele tem de continuar evoluindo e impondo riscos de que surjam outras variantes consideradas mais transmissíveis ou agressivas, como a P.1, identificada em Manaus.
GZH questionou a Secretaria Estadual da Saúde sobre eventuais expectativas de aumento no recebimento de doses e os impactos do atual ritmo de imunização sobre o avanço da pandemia. Por nota, a SES informou: “O Rio Grande do Sul, assim como os demais Estados, não recebe cronograma prévio de entrega com quantitativos de doses. Semanalmente, o Ministério da Saúde comunica quando e quanto virá”.
*Colaborou Leticia Paludo