O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Com o impacto de medidas de estímulo, a economia nacional apresenta sinais de alívio, mas as dificuldades fiscais desafiam a retomada nos próximos meses. Essa é a sinalização do economista-chefe do banco BNP Paribas no Brasil, Gustavo Arruda. Na entrevista a seguir, Arruda defende a manutenção do teto de gastos e comenta o recente choque nos preços de alimentos. O banco de origem francesa projeta queda de 5% para o PIB brasileiro em 2020 e alta de 3% em 2021.
Como define o cenário para a economia?
O segundo trimestre foi ruim para todo o mundo. A economia global fechou. A queda no PIB do Brasil foi de 9,7%. Alguns países tiveram baixas menores e outros, muito grandes. O México, por exemplo, caiu cerca de 18% no trimestre, quase o dobro da nossa queda. Uma das explicações para a diferença é o conjunto de medidas adotadas. No Brasil, tivemos o coronavoucher, o governo decidiu postergar impostos, houve incentivo para empresas não demitirem. O México não fez praticamente nada, e houve uma queda muito grande na atividade.
De maneira geral, as economias estão se recuperando no terceiro trimestre. Estamos vendo dados fortes de consumo no Brasil, a indústria e os serviços estão voltando. Não é algo muito diferente de outros países. Houve muito incentivo fiscal no mundo, e a pandemia acabou arrefecendo. Ainda estamos com números bastante altos de contaminação, mas, de maneira geral, arrefeceram, e as economias voltaram a abrir. Outro ponto é ver qual será a velocidade de recuperação esperada para o Brasil daqui para frente. A questão é ver quanto os governos vão conseguir dar em estímulos para as economias. Tem país que não vai conseguir gastar como fez neste ano.
O Brasil é um desses países?
É um dos casos. O governo escolheu a opção de fazer tudo de uma vez. Houve programas muito grandes, tanto é que a dívida pública vai sair, mais ou menos, de 75% para 96% do PIB. É um sinal de atenção. Com a dívida nesse nível, há risco de não ter sustentabilidade. Por isso se diz que, apesar de difícil, o teto de gastos é muito importante. Mostra comprometimento e diminui risco de insolvência.
Tem três países que destaco pela recuperação. A China está crescendo e discutindo retirada de estímulos. Os Estados Unidos têm uma política de gasto fiscal muito grande e o benefício de ter uma moeda que é reserva de valor. Conseguem rodar por mais tempo com gastos maiores. E, na Europa, o destaque é a Alemanha, que estava gastando muito pouco antes da crise. Conseguiu fazer mais gastos na pandemia e pode permanecer com isso por maior tempo. O Brasil está no grupo de países que não vão poder se dar ao luxo de gastar mais no ano que vem.
Ou seja, a recuperação brasileira não deve ser tão rápida, em formato de "V"?
Os números têm sido fortes, mas muito porque os incentivos estão concentrados de uma vez só. Parece que estamos vivendo momento espetacular de recuperação. Mas temos de lembrar que, a partir de setembro, o coronavoucher cai pela metade. Em janeiro, o Orçamento indica que políticas não vão continuar. Isso não é por acaso. Está se criando um consenso de que a dívida perto de 100% do PIB gera fragilidade muito grande e limita as escolhas.
Uma coisa é fazer política fiscal com a dívida em 50% do PIB. Em 100%, se os juros subirem, a manutenção da dívida fica muito complicada. Gera problemas fiscais grandes. É claro que, no primeiro momento, a preocupação política é por garantir a sobrevivência da economia. O governo tem ideias para fazer novos programas. Mas aí olhamos para o teto de gastos e falamos que não há espaço. Políticos querem gastar e fazer programas de infraestrutura. Sem espaço no teto, tem algumas coisas que podem ser feitas em teoria.
Quais?
Dá para mudar a regra do limite de gastos. Essa, para mim, é a pior escolha possível. A segunda opção é olhar para os gastos que já existem e tentar entender onde é possível tirar despesas. No fundo, é uma busca por eficiência. É o que qualquer empresa ou família faria. O terceiro caminho possível, que se mistura com o primeiro, é mudar o teto e subir impostos. Tenho impressão de que a sociedade brasileira não parece favorável a aumento de impostos.
Então, a saída que mais faz sentido é olhar para dentro e ver qual tipo de gasto pode ser revisto para adotar uma política nova. Neste ambiente, minha impressão é de que o caminho mais doloroso vai ser o melhor. É superimportante para o Brasil, perante o setor privado, conter impulso de alterar o teto, porque ele dá direcionamento. Até é possível discutir se essa é a melhor alternativa. Mas não é agora que temos de fazer isso.
O país está gastando muito, e temos de mostrar que podemos retomar o nível normal de gastos quando a pandemia passar. Se alterarmos o teto, duas coisas acontecem. Vamos ter de descobrir como financiar isso, ou com mais dívida ou com mais impostos. A segunda coisa é que, depois de fazer a flexibilização, o teto perde muita importância. Se você fez uma vez, pode fazer de novo.
Preços de alimentos dispararam nas últimas semanas. O aumento preocupa?
De maneira geral, não estamos preocupados com inflação. O que temos visto é um choque muito grande em preços agrícolas. É o que o consumidor consegue perceber no dia a dia. Não estamos sozinhos nessa. Conversando com colegas, com economistas do banco em outros países, todos têm percebido em maior ou menor grau o impacto de preços agrícolas. Parte desse movimento não tem a ver com a demanda brasileira.
A demanda chinesa está muito forte e está puxando o preço em todo o mundo, não só dos produtos agrícolas. O minério de ferro, por exemplo, não subiu pelo consumo diário daqui. O que acontece é que a China está comprando muito.
A moeda brasileira não se comportou como no passado. Quando as commodities ganhavam valor, nossa moeda apreciava. É uma diferença particular, e tem a ver com a dinâmica recente de juro mais baixo. A economia está tentando encontrar o câmbio de equilíbrio. Há risco político, fiscal. Mas a inflação não é uma coisa com a qual estamos muito preocupados. Por quê? Porque a inflação média está muito baixa. E os choques não duram para sempre. A história diz que os preços estabilizam ou até recuam depois.
O Copom define, na quarta-feira (16), o nível da taxa básica de juro, a Selic. Qual é sua projeção para o encontro?
Esperamos que o Banco Central mantenha a Selic em 2% ao ano. Em agosto, o BC tinha sinalizado que a reunião de setembro seria para parar e ver o que estaria acontecendo. Há informações novas, como o choque de alimentos e as dúvidas fiscais.
Faz sentido parar para olhar. Quando o BC toma uma decisão, está pensando na inflação do ano que vem. A política monetária demora para atingir a economia. É um ano, um ano e meio para frente. Esperamos que o juro fique parado em 2% em 2020.
Quais são as projeções para o PIB nacional em 2020 e 2021?
Projetamos queda de 5% neste ano. Antes, esperávamos baixa de 7%. Para o ano que vem, esperamos crescimento de 3%. Antes, projetávamos alta de 4%. Com o gasto fiscal, a gente cai menos neste ano e cresce um pouco menos em 2021.