O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
CEO da Siegen Consultoria, Fábio Astrauskas avalia que a retomada econômica depende, em parte, de uma reforma tributária com taxação de grandes fortunas. Na entrevista a seguir, o economista, que também é professor do Insper, analisa o cenário para os negócios e demonstra preocupação com o alto nível de desigualdade social, evidenciado no país pela pandemia de coronavírus.
Como descreve o momento da economia no país?
Medidas de auxílio emergencial e proteção de empregos funcionaram razoavelmente bem, apesar das críticas, e estão sendo prorrogadas. Enquanto isso, o Judiciário atuou para que credores e devedores conversassem sem entrar em litígio, mas é algo que está acabando. Então, precisamos criar regra mais clara para tratar do assunto.
Em relação ao distanciamento social, estamos retornando à normalidade, mas em nível muito alto da pandemia, ao contrário de outros países. Isso gera insegurança para o consumo. Ou seja, temos um efeito mais prolongado na economia.
Em 2021, provavelmente teremos de lidar com o teto de gastos públicos. Mas vai ser muito difícil mantê-lo com uma política de benefícios desenhada agora. Teremos a necessidade de fazer uma reforma tributária para melhorar a capacidade de arrecadação do Estado e, principalmente, para permitir que dinheiro seja destinado a obras estruturantes que possibilitem geração de empregos.
O IBGE divulga na terça-feira o resultado do PIB do segundo trimestre. Qual é sua projeção?
O PIB do segundo trimestre vai refletir o centro da pandemia, os piores meses, de abril a junho. É bastante provável que o tombo fique perto de 10%. Não será surpresa se vier assim. O impacto do coronavírus se deu de maneira desigual na economia.
O setor de serviços foi mais afetado. Em seguida, a indústria. O agronegócio foi muito menos. É importante dizer que, quando veio a crise, houve paralisação repentina de muitas empresas. Portanto, em pouco tempo, houve redução no nível de estoques. Então, provavelmente, estamos vivendo agora, no terceiro trimestre, um momento de reposição.
Tensão recente atingiu o Ministério da Economia, com a debandada de secretários. A situação preocupa?
Preocupa em dois cenários. Um é o especulativo, em bolsa de valores e câmbio. O mercado financeiro é muito conservador. Qualquer notícia de mudança no rumo econômico, hoje liderado pela equipe do ministro Paulo Guedes, acaba se refletindo de maneira negativa no mercado. Esse é o primeiro ponto.
Do ponto de vista de médio e longo prazos, o que estamos vendo é um debate entre a filosofia liberal, do ministro Guedes, e um viés mais assistencialista, por parte do presidente Bolsonaro. Alguns entendem que a postura do presidente tem motivo eleitoreiro. Outros dizem que, em ambiente de estresse econômico, é importante pensar em transferência de renda para os mais pobres.
Nesse aspecto, o motivo pode até não ser tão nobre, mas me parece ser bastante correto o pensamento que o Bolsonaro traduziu de que "não é possível tirar dos pobres para dar aos paupérrimos". A frase foi muito forte. Dá para pensar: "ah, tem fundo eleitoreiro". Não importa. Vamos tirar isso da mesa e entender que é muito complicado criar um programa de transferência de renda para a população pobre. Só que é preciso tomar algumas atitudes para evitar a desigualdade brutal que vemos no Brasil. Falava-se na criação do Renda Brasil, com a retirada do Farmácia Popular, por exemplo. Não parece o melhor caminho. Então, vamos ter de encontrar outro. O problema é que isso gera gasto.
Qual seria a saída?
A discussão vai ter de passar em algum momento pela tributação de grandes fortunas se quisermos respeitar teto de gastos e fazer política distributiva de renda. Sem isso, vamos ter de abandonar uma das duas coisas. Ou vamos furar o teto ou não vamos fazer programa de transferência de renda. As duas coisas, juntas, não serão possíveis sem arrecadação.
Os países têm pensado em impostos sobre grandes fortunas. Por incrível que pareça, até grandes milionários têm pensado nisso. Estão percebendo o quão danosa a desigualdade pode ser para a sociedade e para o capitalismo. A questão não é sobre quem ganha 10, 20 ou 30 salários mínimos. Mas sobre quem ganha milhões por mês. É uma parcela muito pequena da população, mas muito poderosa em termos de recursos.
Isso tem de ser discutido com seriedade. Não é uma briga de empresário contra trabalhador, de rico contra pobre, de esquerda contra direita. É uma discussão simples. Não é possível viver em um ambiente tão desigual. É dessa maneira que o assunto tem de ser encarado no Congresso.