O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Referência em políticas sociais, o economista Marcelo Neri demonstra preocupação com os impactos da crise do coronavírus. Pesquisa do centro de estudos FGV Social, do qual ele é diretor, mostra que a desigualdade de renda entre ricos e pobres voltou a subir no país em 2020. Na entrevista a seguir, Neri avalia o cenário para a economia brasileira.
O governo federal sinalizou estender o auxílio emergencial. Como o senhor avalia a eventual ampliação?
É positivo estender o auxílio emergencial. Fazer extensão de dois meses parece adequado. O gasto inicial com o benefício foi relativamente alto. Então, uma proposta de valor de transição, como R$ 300 por mês, faz sentido. Mas seria importante qualificar o cadastro de beneficiários.
Por quê?
Vimos pessoas pobres que não foram incorporadas. Também houve casos de quem não deveria ter recebido o auxílio, mas ganhou. O governo está pagando as pessoas para ficarem em casa. Por outro lado, o presidente (Jair Bolsonaro) incentivou a população a ir para a rua. É como se o governo acelerasse e freasse o carro ao mesmo tempo. O melhor seria apontar para uma direção só, e a correta é a do isolamento.
A desigualdade social deve voltar a subir no país?
No primeiro trimestre, a parcela dos 50% mais pobres perdeu 6% da renda do trabalho, em relação ao último trimestre do ano passado. Enquanto isso, o grupo dos 10% mais ricos ganhou 1%. Ou seja, a desigualdade voltou a subir no país. Só tem uns 15 dias de impacto da pandemia nesses dados. É só o primeiro efeito da crise. Os mais pobres estão sofrendo mais. A perda de ocupação foi determinante. Então, ter o benefício é extremamente importante. Estamos vendo uma desaceleração brutal da economia, com consequências sociais gravíssimas. É uma desaceleração sem precedentes em termos de velocidade. Esperamos que não seja em termos de duração.
O debate sobre a criação de programa de renda mínima ganhou fôlego no país. É uma alternativa viável?
Em momentos assim, é preciso ter foco na crise. Não acho que é o melhor momento para criar um benefício universal. Na crise de 2008, o Brasil teve reação boa, mas manteve benefícios por muito tempo. Transformar uma crise em gasto permanente não parece ação adequada.
O que mais pode ser feito para amenizar os prejuízos?
Um Bolsa Família 2.0 ou algum upgrade do programa no CadÚnico, que é uma base focalizada, é mais adequado do que a renda mínima. O que não está funcionando, e seria muito importante, é o crédito para empresas. Precisamos ajustar essa estratégia. Além disso, temos o desafio de olhar para as diferentes realidades do Brasil. O país é grande, diverso e desigual. O Rio Grande do Sul, por exemplo, é um lugar que inspira cuidados, por causa da grande presença de idosos, um grupo mais vulnerável, mas as ações do governo do Estado deram bastante resultado até agora.
Como define o cenário para a economia brasileira?
A pandemia testa nossa sociedade naquilo em que temos mais dificuldade, que é a criação de ações coletivas razoáveis. Não podemos reeditar nossa história de alta inflação, em que o Estado tenta proteger todo o mundo, mas acaba gerando décadas perdidas de crescimento, como no período de alta inflação. O risco, agora, não é de década perdida a partir de 2014. É de forte retrocesso. É importante, então, buscarmos soluções razoáveis, e não buscarmos questões que vão agravar a situação fiscal, sem reduzir a desigualdade.