Voz de referência no Brasil para questões econômicas e sociais, Marcelo Neri (foto), diretor da FGV Social, está preocupado com a manutenção da renda dos mais pobres durante a crise decorrente da disseminação do coronavírus no Brasil. Reconhece que o Brasil está "amarrado fiscalmente" – em bom português, falta dinheiro público para todas as necessidades –, mas pondera que, como é um país mais fechado economicamente, talvez sofra menos. Em compensação, como o abismo da desigualdade é maior, teme que os pobres sofram uma "tragédia inimaginável".
Como avalia as medidas do governo para os mais vulneráveis até agora?
Boa parte do pacote não é dinheiro novo mas antecipação de gastos, como a das duas parcelas da 13º do INSS e do abono salarial, ou postergação de receitas tributárias (FGTS, Simples e MEI), com impacto zero no déficit no ano. É inteligente, pois traz recursos para o ponto crítico da crise. O que está certo é destinar dinheiro novo para os mais necessitados, R$ 3 bilhões para o Bolsa Família e R$ 15 bilhões para o Cadastro Único.
São suficientes?
Como o governo está antecipando muita coisa, está dando pouco. Agora, não se trata mais de dar uma chupeta para a economia. É preciso garantir a subsistência das pessoas durante um período cuja duração não se conhece. Usar os caminhos administrativos para fazer os recursos chegarem é interessante, porque é ágil. Mas os mais pobres podem viver uma tragédia inimaginável, que não vimos nem mesmo na Grande Depressão (crise iniciada em 1929, com a quebra da bolsa de Nova York, que gerou anos de empobrecimento nos Estados Unidos). Em 2008, tivemos um bom teste de mecanismos monetários, e funcionou. Mas esta é uma situação desconhecida, muito mais aguda economicamente. O governo se comprometeu com R$ 200 mensais para os informais, mas a nossa linha de pobreza tem corte acima disso, de R$ 246. É uma situação excepcional em vários sentidos. E os 12 milhões de desempregados, e os subaproveitados, desalentadis, invisíveis em diversos aspectos?
A prometida inclusão de 1 milhão de famílias zera a fila do Bolsa Família?
O problema é que, entre maio de 2019 e janeiro de 2020, 1,1 milhão de famílias foram retiradas. O número total caiu de 14,3 milhões para 13,2 milhões. Isso acarretou o surgimento de uma fila média anual de 500 mil famílias que deveriam estar sendo atendidas, mas ainda estão esperando. Outras estimativas apontam quase 1 milhão de famílias na fila. O governo anunciou o pagamento de 13 salário para o Bolsa Família, mas não alocou orçamento. Cobertor curto é um péssimo negócio. É bom lembrar que, para cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família, são gerados R$ 1,78 para a economia brasileira. Cada real gasto com o Bolsa Família impacta três vezes mais o PIB que os benefícios da Previdência e 50% mais que o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Qual deve ser o impacto na economia do Brasil?
A crise é grave, mas não vai durar para sempre. O Brasil tem uma economia mais fechada, pode sentir menos. Mas como já não vinha bem, pode enfrentar solavanco maior.
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