Um dos muitos desafios do Brasil, neste período em que o distanciamento social é uma das principais medidas para conter a disseminação do coronavírus, é manter a maior normalidade possível no transporte de cargas. Empresas gaúchas relacionadas ao segmento estão detectando sinais preocupantes e cobram atuação mais efetiva do governo federal para organizar a logística.
– Estou desde meados da semana passada em contato com agentes públicos e percebi que não há a atenção necessária para a logística em tempos de crise. Não vejo essa preocupação nas estruturas de governo – relata Renan Lima, diretor superintendente da Vipal Borrachas, empresa que tem boa parte da produção voltada ao fornecimento de produtos para caminhões.
Segundo Lima, a atuação de prefeitos e governadores no fechamento de acessos já começava a criar dificuldades na contratação de frete em algumas regiões. A medida provisória editada pelo governo federal na sexta-feira à noite pode evitar situações como a criada no Estado em alguns municípios do litoral, mas não resolve todos os problemas.
– Vários operadores têm dificuldade para definir se aceitam rotas ou não por falta de suporte nas estradas. Com restaurantes e até borracharias fechadas, é difícil convencer o motorista de caminhão a viajar. Como é que ele vai sair de São Paulo sem saber se vai poder comer no caminho ou encontrar ajuda caso enfrente algum problema mecânico? – questiona o executivo.
Lima relata que a Vipal desativou cinco linhas de produção não necessárias para a manutenção da logística, mas quando foi necessário despachar produtos, faltou caminhão. Manter o abastecimento, lembra, é essencial para administrar o período durante o qual as pessoas terão de permanecer recolhidas.
– É importante lembrar que 75% do equipamento hospitalar do Brasil é fabricado em São Paulo e precisa continuar chegando a todo o país. É correto e necessário deixar pessoas afastadas do dia a dia, é um dever cívico evitar a propagação do coronavírus, mas a população precisa comer e receber remédio.
Lembrando que a empresa tem "um termômetro muito sensível" pela grande proximidade especialmente com freteiros, ou seja, caminhoneiros independentes, Lima assegura que não há qualquer sinal de que eles queiram interromper o trabalho. Mas relata que um deles, transportando rolos de filme plástico, foi parado e impedido de seguir viagem porque a carga não era essencial. A questão é que o material seria usado para embalar leite em saquinhos. Para evitar um problema ainda maior, Lima faz um apelo:
– Alguém ligado ao controle dessa crise precisa dar uma normativa clara. Definir o que é ou não essencial pensando não só na produção, mas na logística. Comida e remédio têm de continuar chegando até a população, obviamente observados todos os cuidados sanitários necessários. Não dá mais para deixar pessoas que não especialistas tomem decisões. Ainda dá para arrumar, temos de pensar na curva do reabastecimento, não pode haver um hiato de 20/30 dias. Essa crise ainda vai crescer muito, mas vai passar. Temos de decidir agora se o dia seguinte vai ser de terra arrasada ou se vai ser um país em condição de se recuperar.
Como a Vipal tem operação conjunta nos Estados Unidos com uma empresa italiana, Lima tem acompanhado como o país muito impactado pela disseminação da doença trata o assunto:
– Na Itália, há muitas restrições ainda não adotadas no Brasil, mas existe um comitê de crise para logística, criado com o objetivo de manter a população abastecida.
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