O coronavírus deve encerrar uma década repleta de melancolia para a economia brasileira. Em meio aos estragos da pandemia, o Produto Interno Bruto (PIB) caminha para fechar o período de 2011 a 2020 com o menor crescimento médio de uma série histórica de 120 anos. Devido ao desempenho frustrante, o atual intervalo é definido como uma década perdida para o país.
Essa expressão é usada por analistas para descrever períodos de baixo avanço econômico. A última década perdida havia sido registrada entre 1981 e 1990. À época, o PIB brasileiro subiu, em média, 1,6% ao ano. De 2011 a 2020, a elevação deve ser de apenas 0,3%.
A estimativa é do economista Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Para chegar ao resultado, Balassiano cruzou estatísticas oficiais disponíveis até 2019 com a previsão do FGV Ibre para o PIB deste ano. Em razão da crise do coronavírus, o centro de estudos passou a projetar queda de 3,4% para a economia somente em 2020.
De acordo com o pesquisador, mesmo antes da pandemia, o país já caminhava para a pior década em 120 anos. De 2011 a 2019, o PIB teve avanço médio de apenas 0,7%. Ou seja, o problema sanitário serviu para agravar um cenário que já preocupava.
– Em 2015 e 2016, o Brasil viveu uma recessão causada por problemas internos. A retomada em seguida foi lenta. Então, já se esperava a pior década em 120 anos. O coronavírus piorou o quadro – frisa Balassiano.
O especialista relata que, se o PIB subisse 2,3% em 2020, como o mercado financeiro projetava antes da covid-19, o crescimento médio a partir de 2011 ficaria em 0,8% ao ano. Isso significa que o resultado da década também seria inferior à marca de 1,6% de 1981 a 1990.
Diante das dificuldades criadas pela pandemia, Balassiano avalia que resta ao governo Jair Bolsonaro intensificar medidas de combate à crise, mesmo com as dificuldades fiscais existentes no país. Na terça-feira (14), o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que o PIB brasileiro poderá despencar 5,3% em 2020. Se essa previsão se confirmar, o avanço do indicador na década atual cairá de 0,3% para 0,1%, calcula o pesquisador do FGV Ibre.
Na visão de analistas, a perda de fôlego da economia ao longo dos últimos anos reflete uma combinação de fatores. Antes do coronavírus, o país ainda lutava para espantar a herança deixada pela última recessão. Para Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, a crise de 2015 e 2016 foi resultado do desequilíbrio fiscal que se intensificou na primeira metade da década.
– O país abriu a caixa de bondades, elevou gastos públicos durante o governo de Dilma Rousseff. O pesadelo começou ali – declara Agostini.
Em meio às dificuldades na economia, a petista foi alvo de impeachment em 2016. A tensão política, contudo, permaneceu nos anos seguintes e ainda contribui para frear o desempenho do PIB, dizem analistas.
Sucessor de Dilma, Michel Temer assumiu a presidência com a proposta de reequilibrar as contas da União. O projeto foi recebido com elogios por setores como o mercado financeiro, mas não ficou imune a contestações. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Fernando de Paula critica ações de austeridade lançadas pelo emedebista e mantidas por Jair Bolsonaro, como o teto de gastos públicos.
– No governo Dilma, houve problemas como as desonerações para grupos empresariais. Mas medidas adotadas em seguida, como o teto de gastos, são jabuticabas. Não quero dizer que não é preciso ter controle fiscal, mas seria necessário mais espaço no orçamento para investimentos públicos – opina o professor.
Balassiano acrescenta que, além da tensão política e do rombo nas contas do governo, a economia nacional foi abalada em 2018 e 2019 por questões como a greve dos caminhoneiros, o desastre de Brumadinho (MG) e a turbulência da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Agora, ao derrubar a produção e o consumo no país, o coronavírus surge como choque adicional. O risco é de a pancada ser mais forte.
Baixa produtividade freia desempenho
A baixa produtividade tem sido uma das principais amarras da economia brasileira, avalia Pedro Dutra Fonseca, professor da UFRGS. Em outras palavras, o país ficou para trás no cenário internacional, com uma série de obstáculos estruturais para competir em setores diversos. Segundo Fonseca, um dos economistas mais respeitados do Rio Grande do Sul, os empecilhos se tornaram visíveis a partir dos anos 1980 e ganharam força na atual década.
– Para início de conversa, é preciso deixar claro que o baixo crescimento não começou agora. Vem desde os anos 1980. A indústria, que era o carro-chefe do país, perdeu posições – sublinha o professor. – A situação se agravou a partir de 2011. Não mantivemos o nível de exportações e não conseguimos competir em vários setores – acrescenta.
Em meio ao avanço do coronavírus, Fonseca avalia que o governo Jair Bolsonaro precisa manter o programa de "medidas emergenciais" para diminuir os estragos econômicos:
– Estamos no meio de uma tempestade. O governo vem adotando ações contra a crise, teve de deixar de lado a rigidez orçamentária. Não tenho críticas em relação a isso.
Passada a pandemia, o professor teme que o mundo fique "mais fechado", o que tende a prejudicar o comércio global e, consequentemente, as exportações e importações do Brasil. Mesmo com essas dificuldades no radar, o economista ressalta que, depois do coronavírus, o país tem de avançar em questões como a reforma tributária, o que poderia gerar ganhos de produtividade para empresas.
– É difícil imaginar agora o que vai acontecer após a crise. A reforma tributária seria importante para recompor a produção da indústria nacional. É preciso criar um ambiente de maior confiança – pontua o especialista.
Em 2019, o indicador de produtividade do trabalho no Brasil caiu 1% na comparação com 2018, aponta pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV). Isso quer dizer que a capacidade do país de elaborar bens e serviços, em um mesmo recorte de tempo, registrou baixa.