Com a ampliação forçada pela covid-19, o trabalho remoto tende a sobreviver para além da pandemia. Há poucos dias, porém, a rede social profissional LinkedIn publicou uma pesquisa em que 62% dos entrevistados relataram aumento de ansiedade e estresse nessa nova forma de executar funções profissionais. Ali Fenwick, professor de Comportamento Organizacional e Inovação na Hult International Business School em Dubai, Xangai, Londres e São Francisco, detalha nesta entrevista problemas e soluções dessa situação. Na próxima sexta-feira (5), ele ministra seminário para a FGV Decision com o tema O Futuro é Home Office? Perspectivas e Reflexões Sobre a Nova Natureza do Trabalho, de Amsterdã, em inglês. Antes, respondeu perguntas da coluna por e-mail.
Como entender o aumento do estresse e da ansiedade no trabalho remoto?
Normalmente, trabalhar de casa pode ser uma experiência muito agradável. Antes da pandemia, pessoas queriam fazer isso para ter melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Estudos mostram que ter mais autonomia sobre onde e quando executar seu trabalho influencia positivamente no bem-estar e aumenta a produtividade. No entanto, durante a pandemia, trabalhar de casa não é mais uma opção. Somos forçados a adotar essa prática. Isso muda completamente o impacto. É uma experiência nova para muitos. O estresse adicional de administrar essa transição e a situação em cada casa podem ter esse efeito na saúde mental. Além disso, meus próprios estudos mostram que a incerteza de trabalhar de casa por longos períodos e a ansiedade relacionada a isso tendem a fazer as pessoas trabalharem mais do que deveriam, levando a um fenômeno que chamo de "pânico no trabalho".
Como se deve lidar com isso?
A melhor forma é desenvolver novos hábitos. Trabalhar de casa significa que você precisa definir limites entre a vida profissional e a privada ou familiar. Quando vamos para o escritório, essa mudança de espaço reforça a adoção de nossa identidade profissional. Quando trabalhamos de casa, é importante fazer o mesmo. Ter um local definido para trabalhar ajuda a separar fisicamente a vida profissional da pessoal. Se não fazemos isso, problemas profissionais podem invadir a vida privada e afetar nosso humor e até nossas relações pessoais, o que temos de evitar, porque precisamos mais do que nunca um do outro durante a pandemia.
Sentir-se no controle é importante para o bem-estar, e muitas coisas nos fizeram sentir perda de controle nessa pandemia, como o isolamento, a distância social e o impossibilidade de ver amigos.
E quando isso não é possível?
Tenho consciência de que nem todos têm um quarto ou espaço separado em casa para trabalhar. Nesse caso, recomendo criar um limite mental. São rotinas diárias que temos quando vamos para o escritório. Acordamos, nos vestimos, tomamos café, almoçamos e encerramos em certo horário. Em casa, precisamos manter essas rotinas, que permitem estruturar o dia e nos dão sensação de controle sobre nosso ambiente. Sentir-se no controle é importante para o bem-estar, e muitas coisas nos fizeram sentir perda de controle nessa pandemia, como o isolamento, a distância social e a impossibilidade de ver amigos. Ansiedade e estresse também são causados pela sensação de perda de controle. Saber o que podemos controlar — nosso ambiente — , e o que não podemos—, o avanço do vírus ou a situação econômica —, também é importante. E recomendo ficar conectado socialmente, por meios digitais, o que nos contribui para entender o que está acontecendo e nos dá a sensação de pertencimento que ajuda a nos sentir seguros.
O que é responsabilidade das empresas no trabalho remoto?
Empresas precisam garantir infraestrutura técnica, hardware, software e medidas de segurança. E se certificar de que os empregados têm as ferramentas certas para trabalhar de casa, além da conexão de banda larga. Em segundo lugar, as empresas devem dar o correto apoio social e emocional durante a pandemia. As organizações precisam saber que trabalhar de casa não é mais do mesmo, e que muitas pessoas terão dificuldades em lidar com essa nova realidade. Gestores precisam avaliar se devem cuidar de sentimentos, da mesma maneira que de tarefas e metas. Além de checar como estão, devem criar forte sensação de pertencimento e garantir que seus funcionários se sintam validados e reconhecidos durante o trabalho de casa. Infelizmente, com frequência há situações de microgerenciamento nessas circunstâncias, porque os gestores não podem ver seus funcionários. Trabalho em casa precisa de apoio psicológico, além de técnico. Isso facilita a interação positiva entre supervisor e trabalhador no espaço virtual, importante para criar segurança psicológica, que influencia no bem-estar e no desempenho. Muitas organizações não incluíram essa infraestrutura psicológica ao desenhar as regras de trabalho remoto.
Perceber que todos estão na mesma situação pode contribuir para lidar com a incerteza ligada ao trabalho remoto na pandemia.
E o que os funcionários devem fazer?
Como empregado, você deve estar socialmente conectado a seus colegas. Compartilhar fotos e vídeos de seu local de trabalho em casa é uma forma de se manter conectado e ajudar os outros a saber o que você está fazendo. É uma forma de reforçar a sensação de pertencimento. Perceber que todos estão na mesma situação pode contribuir para lidar com a incerteza ligada ao trabalho remoto na pandemia. Outra forma de garantir uma experiência agradável é fazer pausas durante o dia. Não deixe o trabalho determinar todo o dia e a noite. Isso afeta as habilidades para trabalhar, além de sua saúde física e mental. Finalmente, não recomendo que gastem muito tempo em mídias sociais ou lendo fake news. Escolha com cuidado suas fontes de informação e não se deixe mergulhar em sensacionalismo, que pode causar ainda mais ansiedade e incerteza.