A tensão que chacoalha o Ministério da Economia escancara duas visões distintas sobre o modelo de retomada do país no pós-pandemia. De um lado, está o ministro liberal Paulo Guedes, que esbarra em dificuldades para levar adiante a agenda de reformas e privatizações. Com respaldo da ala militar, outro grupo do governo federal defende o uso de mais recursos públicos em áreas como a de infraestrutura.
As obras serviriam para estimular negócios, mas a proposta gera resistência da equipe de Guedes em razão da situação fiscal do país.
A divisão entre os comandados do presidente Jair Bolsonaro ficou mais evidente com o avanço da crise do coronavírus. Em meio à turbulência, Guedes anunciou, na terça-feira (11), os pedidos de demissão de dois secretários do Ministério da Economia — Salim Mattar (Desestatização) e o gaúcho Paulo Uebel (Desburocratização, Gestão e Governo Digital). Dificuldades de avanço na agenda de privatizações e na reforma administrativa motivaram a saída da dupla.
Em entrevista, o ministro classificou o episódio como "debandada". Ao assumir a pasta da Economia, Guedes se comprometeu com a agenda de redução de despesas, que ficou em segundo plano diante da necessidade de ampliar gastos durante a pandemia. O que incomoda o ministro é a eventual continuidade dessa agenda em 2021, com a confirmação de obras com recursos do governo. Ao final de 2020, a expectativa é de que a dívida pública se aproxime da marca de 100% do Produto Interno Bruto (PIB).
— Se seguirmos com o padrão de gastos, vamos para o caos. Os conselheiros do presidente, que estão aconselhando a pular a cerca e furar o teto, vão levar o presidente para uma zona de incerteza, para uma zona sombria, zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal. O presidente sabe disso — afirmou Guedes na terça-feira.
Sócio-fundador da Inter.B Consultoria, o economista Claudio Frischtak demonstra preocupação com o cenário descrito pelo ministro:
— Há uma divisão no governo entre um lado mais gastador e outro mais preocupado com o quadro fiscal. Guedes colocou o presidente nas cordas. Espero que o ministro não peça demissão e que o governo não escolha uma saída populista. A situação é gravíssima.
A ideia de reservar mais recursos para obras públicas é defendida pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Em recente entrevista ao jornal o Globo, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) também se mostrou favorável a mais gastos sociais e no setor de infraestrutura. Na ocasião, o filho do presidente disse que Guedes "vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho" para essas áreas. Analistas políticos veem nas ações uma tentativa de alavancar a popularidade de Bolsonaro.
— Não dá para chamar essa posição de desenvolvimentista (corrente que defende o papel do Estado no estímulo à economia). Seria no máximo instituir alguns gastos públicos, em uma ou outra área, enquanto o governo não consegue implementar reformas estruturais. Isso não representa um projeto de país. Militares estão pensando de maneira mais pragmática — analisa o professor Fernando Ferrari Filho, da pós-graduação na área de economia da UFRGS.
Um dos setores que temem eventual saída de Guedes do governo é o mercado financeiro. Nesta quarta-feira (12), o índice Ibovespa, da B3, a bolsa de valores de São Paulo, fechou em leve baixa de 0,06%, a 102.117 pontos. Já o dólar subiu 0,7%, a R$ 5,453, após intervenções do Banco Central para segurar a alta.
— Nas eleições, Bolsonaro teve apoio de boa parte da sociedade em razão da agenda liberal, de austeridade fiscal. Algumas questões foram feitas, especialmente a reforma da Previdência. Mas isso não é suficiente. Guedes parece insatisfeito porque gostaria de ver mais coisas acontecendo — pontua Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos.
Bolsonaro faz aceno a Guedes
Após a tensão atingir o Ministério da Economia, o presidente Jair Bolsonaro adotou, nesta quarta-feira, discurso favorável a ações defendidas pelo ministro Paulo Guedes, como o teto de gastos públicos. Em vigor no país, o instrumento limita as despesas do governo ao comportamento da inflação.
— Nós respeitamos o teto dos gastos. Queremos a responsabilidade fiscal — disse o presidente.
O discurso à imprensa é considerado um aceno positivo para Guedes. Resta saber se, a partir de agora, a pauta do ministro avançará. No pronunciamento, Bolsonaro ainda afirmou que a economia está reagindo à crise do coronavírus.
Guedes esteve ao lado do presidente na manifestação, mas não fez comentários. Além de Bolsonaro, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também discursaram. Ambos sinalizaram apoio a medidas defendidas por Guedes, incluindo a reforma administrativa.