O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Ex-diretor do Banco Central (BC), Alexandre Schwartsman vê sinais de que a economia deixou o fundo do poço para trás. Mesmo assim, demonstra preocupação com o pós-pandemia de coronavírus. Nesta entrevista, o consultor avalia o cenário brasileiro e a tensão envolvendo o Ministério da Economia, evidenciada pela recente debandada de secretários.
Como define o momento para a economia nacional?
Tem algumas coisas positivas. Há sinais de que o fundo do poço ficou para trás. A tendência no segundo semestre é de o país mostrar algum crescimento mais expressivo. Mas não vejo a recuperação dos níveis de antes da crise até meados do ano que vem. Aí, surge uma discussão importante sobre os rumos no pós-pandemia, envolvendo a política econômica. O escalão mais alto do governo parece ter ficado encantado com o efeito, na popularidade do presidente, de gastar dinheiro. O compromisso com o conserto das contas públicas, que já não era muito forte, está ficando cada vez menos forte. Pode ter consequências graves para o país.
Quais?
Antes da pandemia, já tínhamos dificuldades severas, mas o nível de dívida era menor. Estava na casa de 75% do PIB no final de 2019. Devemos terminar este ano perto de 95% do PIB, ou talvez mais. É uma situação inédita. O Brasil nunca teve endividamento tão alto. Politicamente, a coisa ficou muito mais difícil. Havia certo apoio à ideia de manter o teto de gastos. Agora, acho que esse apoio está se esvaindo muito rapidamente. Qual é o problema de furar o teto de gastos?
A gente já furou neste ano, e todo mundo entendeu, por ser uma situação peculiar, uma epidemia. A legislação que criou o teto tem mecanismos de escape que estamos usando hoje. Previa a criação de créditos extraordinários caso houvesse problema como o que estamos vivendo. Mas tudo é excepcional? Se for assim, o teto não vale rigorosamente nada. "Ah, quero gastar mais em obra, porque é importante". "Ah, quero furar o teto porque preciso melhorar o salário dos professores". "Ah, então vale aumentar o dos policiais também".
Quando exceções são abertas em sequência, o mecanismo não serve para nada. Desaparece. O horizonte para estabilização da dívida, antes da crise, era 2022, 2023, 2024. Foi empurrado para 2028, 2029, 2030. É mais tempo para ficar segurando as contas. Sem esse mecanismo, a dívida vai crescer indefinidamente. Não há um limite de dívida escrito em uma pedra, mas, com uma trajetória dessas, em um país emergente, sem visão muito bonita na área fiscal, a situação vai terminar muito mal.
A dificuldade fiscal será o maior desafio no pós-pandemia?
Teremos outros também, como o de produtividade, que já existia antes. O urgente é o fiscal, porque, sem colocar a casa em ordem, vamos para uma crise de grandes proporções, e todo o resto é subordinado. Há uma agenda de produtividade, que é importante e não foi tocada. Tem uma agenda de competitividade. Tem a reforma tributária, em que ainda estamos discutindo se vai voltar a CPMF, um baita atraso de vida. Existem várias dimensões em que teremos dificuldades no futuro.
A reforma tributária proposta pelo governo veio mais enxuta do que a esperada. Como avalia o projeto?
A discussão estava mais avançada no Congresso, e depois o governo fez sua proposta. Normalmente, não é assim. É o Executivo que funciona com o incentivo. A reforma que já estava sendo discutida no Congresso é mais ambiciosa, envolve a unificação de impostos indiretos. O projeto do governo, de (unificar) Pis/Cofins, é importante, mas é pouco perto do desafio que o país tem.
O ICMS é o grande nó das empresas. Muitas vezes uma empresa vai operar em um Estado, mas não pela eficiência em logística. Vai para lá porque é onde economiza em imposto. É muito válido para a empresa, mas, do ponto de vista da produtividade do país, é profundamente destrutivo. Precisamos remover a distorção tributária entre os mais pobres e os mais ricos. O que o governo quer mesmo é a CPMF. Tem uma agenda mais rica do que aquela que o governo propôs.
Na semana passada, o ministro Paulo Guedes confirmou "debandada" de secretários do Ministério da Economia. Quais são os impactos para a imagem do país?
O problema não é a imagem do país. Você pode gostar mais ou menos da imagem de um país. Não é que o Paulo Guedes seja a última bolacha do pacote. Está longe de ser. Embora a orientação geral dele seja essencialmente correta, ele é ruim na hora de entregar. O número de tropeços políticos é coisa de gente que não sabe em que país está vivendo. Teve declarações de que o déficit acabaria em um ano, de que privatizaria R$ 1 trilhão.
Não tenho nenhum apreço pelo ministro, mas qualquer substituição seria para pior. A preocupação com o tumulto no Ministério da Economia começa a aparecer. Tem avaliação de risco do país. Começa a aparecer em taxa de juro, no câmbio. E não adianta pedir patriotismo. O operador de mercado é um ser essencialmente amoral, porque tem o dever com o dinheiro dos clientes dele.