O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Considerado um dos pais do Plano Real, Gustavo Franco lamenta o fato de o país estar "demorando muito" para avançar na área econômica. Ex-presidente do Banco Central (BC), o economista conversou com a coluna em Porto Alegre, no fim de novembro, antes de seminário da Fundação Família Previdência. Na entrevista a seguir, avalia a condução da área econômica no governo Jair Bolsonaro e conta o que o fez recusar convite para o BNDES.
O senhor foi presidente do BC no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Há alguma semelhança da época na área econômica com a gestão Bolsonaro?
São dois momentos históricos completamente diferentes. Um elemento de comparação vale ser destacado: o relacionamento da pauta econômica com o presidente. Fiz parte de um governo em que o presidente tinha sido ministro da Fazenda. Ele trouxe para a Presidência os temas econômicos com os quais lidou quando ministro. Estavam organicamente ligados à prática da Presidência e ao projeto de governo. Não é o que temos hoje.
Por quê?
O presidente Bolsonaro não foi eleito a partir dos temas da economia. Isso não foi especialmente debatido durante a eleição. Não é algo polêmico que estou falando. Bolsonaro reconhece. O próprio presidente diz que a economia não é o assunto dele, que o ministro Paulo Guedes cuida disso. Não foi a economia que o elegeu. É uma diferença de prioridades nas duas gestões (FHC e a atual). São diferentes circunstâncias, com diferentes Congressos. Os desafios da economia também são diferentes. Vamos aguardar, torcer. Rezar um pouquinho também ajuda (risos).
Como avalia o trabalho da atual gestão do BC, comandada pelo presidente Roberto Campos Neto?
A gestão é muito boa. Há continuidade na política monetária. Nenhum reparo a fazer. Está trabalhando muito bem.
Qual deve ser a prioridade do governo na economia em 2020?
As prioridades são conhecidas. É sempre um desafio a articulação entre o Planalto e o parlamento para utilizar melhor a energia política e a vontade de fazer. Essa arte é muito específica. Creio que o povo de Brasília sabe como fazer isso. O momento econômico é de transição profunda, de o Brasil achar novo local na economia internacional, de redefinição do papel do Estado e do setor privado. São transformações profundas. Estamos demorando muito tempo como sociedade para lidar com os desafios. É uma pena. Enquanto isso, a Ásia triplicou de tamanho. Estamos ficando para trás. É uma pena ver oportunidades perdidas, ver os meninos indo para o Exterior, sem voltar ao país. O Brasil sempre foi esperançoso em relação ao futuro. Não podemos perder essa mística.
Em abril, no Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, o secretário especial de Desestatização do governo federal, Salim Mattar, anunciou que o senhor seria o novo presidente do conselho de administração do BNDES. Por que a ida ao banco não se confirmou?
De fato, o secretário fez o anúncio naquela ocasião. Estávamos conversando sobre a possibilidade de um cargo no conselho do BNDES. Porém, houve objeções dentro do governo. Aí, o plano mudou um pouco. Preferi não entrar.