O jornalista Leonardo Vieceli colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Apesar das dificuldades da economia brasileira, o comércio deve fechar 2019 com desempenho positivo, impulsionado pelas vendas do final de ano, indica o economista Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Nesta entrevista, Bentes analisa o cenário para o setor e sublinha a necessidade de avanços no mercado de trabalho.
Como avalia o atual momento da economia brasileira?
O momento é de recuperação parcial. Do ponto de vista estatístico, a recuperação começou a ocorrer. Mas, se perguntarmos na rua, a maioria das pessoas vai afirmar que a economia está estagnada. A percepção de crescimento não chega até a maioria da população. Para o brasileiro, a variável importante para medir o desempenho da economia é o mercado de trabalho. O principal problema hoje no país é o desemprego. Para a maioria da população, a melhora tem sido tão lenta que é quase imperceptível.
Qual é o cenário para o comércio nacional?
A expectativa para as vendas do comércio é positiva no país. Espera-se crescimento aproximado de 4,5% em 2019. Existe combinação de fatores para o aumento. O primeiro é a inflação baixa, porque os prazos das prestações estão mais amplos. Como a crise vem ficando cada vez mais distante, a percepção de aumento da inadimplência também vai perdendo força. O terceiro ponto é a liberação de recursos do FGTS.
Como os saques podem impactar o comércio?
A liberação já ocorreu em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer, e causou inflexão nas vendas do comércio. Na época, deu injeção nos negócios. Acreditamos que isso ocorrerá de novo, em categorias como móveis, eletrodomésticos e vestuário. Os saques funcionam, mas têm efeito limitado. É como o sujeito que toma medicamento e consegue correr mais do que os outros na maratona. A questão é que ele não vai seguir no mesmo ritmo até o final da prova. A expectativa é de que os saques do FGTS e do PIS/Pasep injetem R$ 9,6 bilhões no comércio. O governo projeta liberação de R$ 30 bilhões. Portanto, mais ou menos um terço chegaria até o varejo.
Qual a expectativa para as vendas da Black Friday, no próximo dia 29, e do Natal?
Projetamos crescimento de 6,8% nas vendas da Black Friday, já descontados os efeitos da inflação. A data deve movimentar R$ 3,6 bilhões no varejo. É o recorde da década. O Natal, a principal data do comércio, deve movimentar quase R$ 36 bilhões no país, crescimento de 4,8% frente ao ano passado, com o desconto da inflação. Outro número positivo é a contratação de temporários. Entre setembro e dezembro, o número de admissões deve chegar a 91 mil no varejo. É o maior contingente desde 2013.
A retomada mais consistente da economia brasileira passa por quais medidas?
Entramos em uma era de reformas, que é fundamental para o país crescer mais. A economia não deslanchou até o momento. Por trás disso, há um problema que não é só do Brasil. Trata-se do problema do mercado de trabalho, que busca maior produtividade. As empresas estão demandando menos funções pouco qualificadas.
Como corrigir essa questão?
Precisamos elevar a qualificação do trabalhador. O principal indutor do aumento da qualidade da educação é o setor público. Com a reforma da Previdência, é possível que o governo se aproxime do equilíbrio das finanças. As empresas e as instituições como Senac e Senai têm capacidade para ajudar. Também é necessário preservar o ambiente de inflação baixa para que as famílias consigam investir em educação para seus filhos. Boa parte da população que perdeu o emprego na recessão terá de se tornar empreendedora. Se não elevarmos a produtividade do trabalhador, ao final da próxima década, em 2030, mesmo que o PIB cresça 2,5% ao ano, o que é difícil, dois em cada 10 demandantes por trabalho não conseguirão emprego.