Convidado da 23ª edição do Fórum Respostas Capitais, realizado nesta quarta-feira (20) pela primeira vez no interior do Estado, na Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul, Luiz Carlos Mendonça de Barros anunciou o “renascimento” do projeto da Foton no Rio Grande do Sul. A empresa chinesa pretendia construir uma fábrica de caminhões em Guaíba, mas a crise do Brasil suspendeu os planos. Com a queda da produção desse tipo de veículos de 200 mil a 40 mil ao ano, os chineses “se assustaram” com o Brasil. Depois de muitas negociações, ficou decidido que a produção será retomada em janeiro de 2020, temporariamente nas instalações da Gefco, empresa do grupo francês PSA Peugeot Citroën. A fábrica prevista será construída, mas com a metade da capacidade inicial prevista: de 15 mil para 7 mil caminhões ao ano.
Em que estágio está o projeto da chinesa Foton para produzir caminhões em Guaíba?
A Foton é um caso típico de investimento estrangeiro no Brasil, tem dois lados na história: ruim e o bom. O ruim é que temos ainda muita oscilação entre os governos que elegemos, e isso claramente é um sinal que afasta o investidor estrangeiro. O Brasil precisa de capital estrangeiro, pois o perfil do consumidor nacional é muito parecido com o do americano, é possível perceber pelo peso que o consumo tem no PIB. Nos Estados Unidos, que é o exemplo mais exagerado de consumo na economia, é de 70%. Aqui é um pouco menos, 66%. Na China, 40% do PIB é consumo e 60% é investimento. Isso está mudando, porque é da natureza humana gastar quando tem renda disponível e oferta de produtos. A diferença é que os Estados Unidos emitem a moeda internacional, que é o dólar. O dinheiro para investir vem de fora, mas emitido pelos próprios EUA. No nosso caso isso não existe. Nossa moeda ainda é muito fraca, já melhorou, tem indicadores que mostram que vivemos outra realidade.
Quais são esses indicadores?
O juro do Brasil atualmente é uma taxa de país emergente avançado. Não vi, em 50 anos, quando comecei a mexer com o mercado financeiro, taxa de juro de 10 anos tão baixa no Brasil. Hoje, é 6%. A taxa de 10 anos é importante para uma economia porque, toda vez que se faz um investimento privado, essa taxa tem de aparecer. Faço meu projeto de vendas, gero certo lucro, tenho de descontar no tempo para ver quanto vale meu projeto ou minha empresa. Há três anos, fazíamos com taxa de 12%, atualmente fazemos com 6%. Isso vai chegar a todos os empresários, todos estão refazendo as contas. É uma excelente notícia, pois é a partir da redução da taxa de desconto que o investimento vai aparecer. Evidentemente que aparece nos mercados mais sensíveis a isso. Em São Paulo, já está evidente a expansão do mercado imobiliário.
Essa retomada também beneficia o projeto da Foton?
Em 2014, houve um colapso na economia, alguns setores sofreram mais do que outros. Um dos que mais sofreu foi o setor de caminhões. O Brasil vendia 200 mil por ano. No auge dos governos petistas, o Brasil era o terceiro mercado mundial. Os chineses, que têm o maior mercado de caminhões do mundo, olharam para isso e vieram para o país, entre 2011 e 2012. Vieram com essa ideia de produzir caminhões da Foton. Só que, logo na saída, o jogo virou, houve o colapso, paralisamos todo o projeto. Precisamos saber qual é o mercado de caminhões no Brasil, 200 mil ou 40 mil, volume vendido em 2016. Agora, depois de muitas viagens para a China e muita conversa, eles estão se sentindo mais confiantes e mudaram o escopo do projeto. Criam uma trading brasileira, subsidiária integral da Foton, e agora importam os caminhões direto para cá. O projeto é em Guaíba, onde temos terreno.
Há outros sinais?
O presidente mundial da Volvo relatou que o Brasil era o segundo mercado da marca no mundo até 2014/2015. Nos anos seguintes, até 2018, caiu para sexto. Neste ano, já é o segundo novamente. O Brasil vai levar 10 anos para recuperar todos os indicadores econômicos do período 2013/2014. Vamos voltar a crescer em 2021, e sou otimista. O ser humano é muito repetitivo. Agora vamos entrar em período de normalização da atividade econômica no Brasil até alcançar crescimento de cerca de 3%, porque nosso povo é consumidor e não emitimos moeda.
Vai ser um caminhão produzido aqui com mais peças chinesas
MENDONÇA DE BARROS
Ex-ministro
Em que base será a retomada da Foton?
Eles (os chineses) se assustaram. Vai começar a recuperação cíclica, que também atrasou por conta da crise do governo Temer com a JBS. Neste ano, a produção no Brasil já chega a 100 mil caminhões, ainda é metade do que foi, mas já é um número de maior porte. Com isso, a Foton falou: "vamos redefinir o projeto". E fizemos isso. Vai ser uma fábrica para 7 mil caminhões, em vez de 15 mil. A Foton criou uma trading company no terreno de Guaíba. Ou seja, está operando os caminhões, e inicialmente vamos trabalhar com um parceiro. A Foton irá trazer três caminhões novos, no primeiro momento importados, mas com intenção de produzir aqui. Com isso teremos uma linha de seis caminhões que vão de 2,2 toneladas até 12 toneladas para o projeto a ser implantado aqui.
Mas a Foton terá uma fábrica em Guaíba?
Sim, porque não dá para depender só de importação. Se ocorre uma crise de câmbio, desestabiliza. O próprio financiamento da fábrica está sendo estudado para entrar na linha de crédito de US$ 100 bilhões (valor destinado pela China ao Brasil para projetos de infraestrutura). Como o Brasil já voltou a produzir cerca de 100 mil, vamos reduzir a produção prevista para o Brasil de 15 mil para 7 mil ao ano. Só que, antes, os caminhões mais pesados precisavam do Finame (linha de financiamento do BNDES que exigia elevada produção nacional), e exigia 60% de componentes locais. Agora não precisa mais. Com a queda do juro, o Finame desapareceu. Vai ser um caminhão produzido aqui com mais peças chinesas, e o conteúdo nacional vai cair de 60% para algo entre 30% e 35%. A empresa tem uma capacidade de reinvestimento e de desenvolvimento no produto que ninguém mais têm. Esses caminhões novos não têm mais retrovisor, é uma câmera. A Foton tem essa capacidade de entregar tecnologia.
Tem uma data prevista?
A retomada da produção de caminhões da Foton será em Guaíba, nas instalações de uma empresa francesa de logística chamada Gefco (do grupo PSA, Citroën Peugeot). Vamos começar em janeiro de 2020 (no passado, a Foton usou as instalações da Agrale, de Caxias do Sul, para montar seus caminhões).
O que vemos um ano depois da posse é um Paulo Guedes mais realista
MENDONÇA DE BARROS
EX-MINISTRO
O que o Estado pode fazer para estimular a economia?
Me divirto com o (ministro da Economia) Paulo Guedes, pois sou amigo dele há muito tempo, brigamos sempre e agora estamos um pouco afastados, pois ele colocou todo mundo que trabalhou no governo Fernando Henrique no mesmo saco. Uma hora ele fala: "vamos terminar com a Zona Franca de Manaus", sem saber que o (José) Serra tinha ataques com a Zona Franca de Manaus, mas ao falar com o Fernando Henrique ouvia: "tem 8 milhões de pessoas que vivem na floresta amazônica e dependem da zona franca". Passaram alguns meses, Paulo Guedes declarou que a zona franca vai continuar. O que vemos um ano depois da posse é um Paulo Guedes mais realista. Ele não fala mais, mas queria implementar o mesmo sistema de capitalização da Previdência do Chile. No Brasil, ocorreu o oposto. O México tem a menor carga fiscal do mundo emergente, 16% de impostos, o Chile é o segundo, com 20%, e nós temos 35%. Quem faz o serviço social no México? O traficante de drogas. Então, 16% é uma maravilha para o empresário, só que do ponto de vista do equilíbrio social não funciona. Hoje o México está tomado pelo narcotráfico. Sabemos a partir de estudos que carga tributária correta dá no máximo 24% do PIB. Para ir a 35%, tem de roubar o contribuinte, o que a Receita faz. Por isso, para voltarmos a ter carga tributária compatível com a atividade econômica, precisamos reformular a Constituição. O governo está tentando fazer isso com PECs (propostas de emenda à Constituição), que nada mais são do que uma tentativa de reduzir as responsabilidades do governo que estão na Constituição. Demos um passo adiante na transformação da economia, para um modelo mais liberal. Devemos isso a (Luiz Inácio) Lula da Silva, pois criou uma crise tão grande que exigiu mudanças. Houve uma virada para a direita. Não está claro ainda como vai ser esse mundo à direita. Temos Bolsonaro que, intuitivamente, quer essas mudanças e encontrou um operador muito capaz (Paulo Guedes). Estamos vivendo a modulação deste caminho para a direita, não será o que o Paulo Guedes quer, pois o Chile matou a teoria dele, mas será algo mais liberal.