O contexto político do país segue favorável a reformas na área econômica, mas turbulências protagonizadas pelo governo Jair Bolsonaro têm prejudicado o avanço de medidas de ajuste fiscal. Essa é a avaliação do ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (ex-MDB), do ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Franco e do cientista político Carlos Melo. Nesta quinta-feira (28), o trio concedeu entrevista à imprensa em Porto Alegre, antes de participar do 21º Seminário de Economia, organizado pela Fundação Família Previdência (antiga Fundação CEEE).
No início do encontro, Hartung afirmou que o governo Bolsonaro promoveu tanto "boas ações" quanto medidas "complicadas" ao longo de 2019. Na visão do ex-governador capixaba, a atual gestão "perdeu, em parte, o momento mais rico da jornada de quatro anos" para acelerar o pacote de reformas. Na área econômica, segundo Hartung, o governo também demonstrou "olhar incompleto" sobre as dificuldades que cercam a privatização de estatais.
— Para vender uma empresa pública, há trâmite burocrático. O atual governo não tinha noção das dificuldades. O que foi vendido até agora foi preparado pela gestão anterior — disse. — Há chance de evolução na agenda de reformas, mas isso vai depender da capacidade de interlocução com o Congresso — acrescentou.
Franco foi na mesma linha. Ex-presidente do BC entre 1997 e 1999, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o economista saudou a agenda de reformas de Bolsonaro, mas fez questão de citar "dificuldades de execução" dos projetos:
— Trabalhei com um presidente que antes foi ministro da Fazenda. Para ele, a agenda econômica se tornou programa de governo. Já Bolsonaro foi eleito por outras razões. No meio do caminho, ele incorporou a agenda liberal, que vem sendo operada com relativo sucesso. As dificuldades de execução representam algo próprio de um casamento de conveniência. Não existe amor sincero nesse caso. Isso faz falta (risos).
Para Melo, que destacou a aprovação da reforma da Previdência, faltam à gestão Bolsonaro "clareza e direção" na condução de seus projetos.
— O governo não tem um diagnóstico claro. Perdeu o momento de ouro de qualquer mandato, o primeiro ano. A agenda, agora, fica mais complicada. No início de um mandato, não há eleições, e a sociedade é mais receptiva — sublinhou.
Conhecido por implementar medidas de austeridade no Espírito Santo, Hartung não poupou elogios a propostas do ajuste fiscal do governador Eduardo Leite. Nos últimos dias, o tucano encontrou resistência entre professores, que entraram em greve após o Palácio Piratini anunciar projeto de mudanças no plano de carreira da categoria.
— O governador (Leite) está no caminho certo. Dinheiro não nasce em árvore. Se o brasileiro gosta de futebol, tem de entender o exemplo do Flamengo. O clube fez ajuste em suas contas, e hoje os torcedores estão batendo palmas. As máquinas públicas do Brasil são concentradoras de renda. Para virar o jogo, é preciso conversar, e o governador está certo, olhando no olho da sociedade gaúcha — comentou Hartung.
Franco ainda foi questionado sobre o recente avanço do dólar, que rompeu a barreira dos R$ 4,20. Para ele, o BC tem condições de conter o aumento e evitar que a situação interrompa o ciclo de cortes na taxa básica de juro, a Selic. O economista lembrou que a instituição promoveu leilões nos últimos dias para amenizar a alta da moeda americana.
Responsável pela organização do seminário na Capital, a Fundação Família Previdência se apresenta como o maior fundo de pensão do Rio Grande do Sul. Hoje, administra 12 planos de aposentadoria para profissionais de empresas como CEEE, CRM e Eletrobras. No total, contempla 17,7 mil participantes, entre trabalhadores ativos, aposentados e pensionistas.