O possível repasse das operações da Trensurb à iniciativa privada recebe elogios de analistas do setor de transportes, mas, ao mesmo tempo, desperta série de incertezas.
Para avançar, o projeto depende da capacidade do governo federal de torná-lo sustentável financeiramente a investidores, sem provocar disparada nas tarifas cobradas dos usuários. Desde sua criação, na década de 1980, a estatal acumula prejuízos e nunca conseguiu, com receitas próprias, cobrir a totalidade de seus custos.
Diariamente, os trens da companhia transportam passageiros entre Porto Alegre e Novo Hamburgo ao longo de uma única linha de 43,8 quilômetros. O desejo do governo Jair Bolsonaro de repassar o serviço à iniciativa privada foi formalizado no dia 24, em publicação no Diário Oficial. O texto prevê que o edital seja conhecido no primeiro semestre de 2021 e que o leilão ocorra entre julho e dezembro.
Mesmo com a divulgação dos prazos, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, sinalizou que o governo dará prioridade a privatizações em áreas como a de óleo e gás, deixando o projeto da Trensurb para trás na fila. A declaração foi dada à colunista de ZH Carolina Bahia:
– Está colocado entre as possibilidades, mas, até ser colocado na proposta de privatização, vai um mundo aí. Tem muito mais coisas na frente disso. Esse sistema é público no mundo. Pelos próximos anos, não há possibilidade de privatização.
Em 2018, a Trensurb amargou prejuízo bruto de R$ 103,9 milhões, 20,2% menor do que o apurado em 2017 (R$ 130,1 milhões). No mesmo período, registrou alta de 64% nas subvenções do Tesouro Nacional, para R$ 286,4 milhões. Isso significa que a companhia dependeu mais das transferências federais para manter suas atividades.
– Vejo com bons olhos a intenção do governo de buscar uma solução para os problemas. Mas uma coisa é querer entregar um ativo ao mercado, e outra é o mercado realmente se interessar pela oferta. É preciso aguardar a modelagem do edital para ver se a proposta será atrativa ou não – observa Paulo Menzel, vice-presidente para a Região Sul da Associação Brasileira de Logística (Abralog).
Ao confirmar que nunca cobriu seus custos com receitas próprias, a Trensurb relata, em nota, que "não foi criada com o objetivo de dar lucro". Na visão da estatal, sua meta é "contribuir na mobilidade urbana da Região Metropolitana", com benefícios indiretos como a baixa na emissão de poluentes por veículos rodoviários.
Desde 2015, a companhia tem queda no número de passageiros. No ano passado, os trens da estatal transportaram 51,8 milhões de usuários, baixa de 6% em relação a 2017. Ou seja, 3,3 milhões de passageiros deixaram de utilizar o serviço no período.
Uma das razões apontadas para o movimento menor é a alta da tarifa. Depois de 10 anos sem reajuste, o preço do bilhete quase dobrou em janeiro de 2018, de R$ 1,70 para R$ 3,30. No último mês de março, houve novo avanço, para R$ 4,20.
Luis Henrique Chagas, presidente do Sindimetrô-RS, que representa os metroviários, diz ver com "tristeza e preocupação" o eventual repasse da operação à iniciativa privada. Para o sindicalista, a mudança, se confirmada, deverá resultar no aumento na tarifa e poderá colocar empregos em xeque. Hoje, a estatal tem 1,1 mil funcionários:
– Mais um pedaço do patrimônio público será entregue. O serviço não terá melhora com a iniciativa privada.
Estudo deve indicar processo de concessão ou privatização
Antes de lançar o edital, o governo escolheu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para auxiliar na criação de estudo de viabilidade técnica. O secretário de Coordenação de Obras Estratégicas e Fomento, José Carlos Medaglia, do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), evita estimar a data para o término da análise. Natural de Porto Alegre, Medaglia argumenta que o projeto tem a finalidade de melhorar a qualidade do serviço prestado à população, com "preços acessíveis".
– Não vejo motivo para a população ficar apreensiva com a tarifa. Em um programa como este, a boa regulação garantirá a condução segura do processo, sem exageros. Precisamos copiar modelos que deram certo e não insistir em teimosias que deram errado – pontua Medaglia.
O secretário acrescenta que o estudo definirá se o processo será somente de concessão do serviço da Trensurb a investidores, por tempo determinado, ou se envolverá a privatização total da empresa.
A segunda opção poderia resultar na venda de ativos como os trens:
– Normalmente, estações são pontos de grande fluxo de pessoas. São locais vocacionados para ter comércio, serviços, shopping centers. Isso tem grande potencial de gerar receitas extraordinárias para os investidores – ressalta Medaglia.