— Era para a gente ter se encontrado há 39 anos.
Foi com essa frase que, há exatamente um ano, Winston Ling recebeu o economista Paulo Guedes. Na ocasião, Ling encontrou pela primeira vez o economista e o apresentou para o então candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro.
Nascido em Santa Rosa, filho do imigrante chinês Sheun Ming Ling, Winston foi para a Universidade de Chicago nos anos 70 com a recomendação de procurar outro brasileiro. Era Guedes, que havia concluído o doutorado e voltara ao Brasil. Não obteve sucesso.
O desencontro acabou rendendo uma boa história na trajetória do “Posto Ipiranga”, que, a partir da mediação de Winston, tornou-se o oráculo de Bolsonaro para temas econômicos. Na opinião do gaúcho, se Guedes conseguir implantar seu plano, o Brasil pode se tornar uma nova China. Não a da atualidade, que, na sua visão, desacelerou o crescimento por excesso de intervencionismo estatal, mas a dos anos 1980 e 1990, quando a desregulação total permitiu o surgimento de negócios e fortunas.
Com várias citações ao pai, responsável por introduzir o cultivo de soja no Estado, Winston concedeu essa entrevista por telefone desde Hong Kong. Desde 2001, ele vive em Xangai, na China, onde atua no financiamento de startups.
Você conheceu Bolsonaro em 2016, quando a imagem dele ainda era a de um ex-militar estatista e nacionalista. O que o levou a apostar na ‘conversão’?
Foi supertranquilo. Zero estranhamento. Os dois se apaixonaram. Depois, falou que ainda era namoro. Foi uma reunião muito boa, e insisti para que continuassem conversando nos finais de semana. Essa conversa não podia morrer.
WINSTON LING
Sobre encontro de Paulo Guedes com Jair Bolsonaro
Desde meados da década de 1980, quando fundei o Instituto Liberal no Rio Grande do Sul, aproximo-me de todo tipo de pessoa para oferecer livros. Tenho amigos que querem distância de quem pensa diferente, mas prefiro me aproximar. As pessoas mudam, aprendem. Achei que ele teria chance de ganhar por ser popular. Nunca tinha visto um político popular no Brasil. Pensei em tentar ajudar e influir.
Qual foi a reação dele?
Foi superfavorável. O que se lê nos jornais é bem diferente de quando se encontra ele. É uma pessoa muito simpática, muito simples. Sou meio assim também. A minha impressão é de que os filhos já vinham falando sobre isso (visão mais liberal da economia). Sugeri reunir um grupo de economistas e empresários liberais para ajudar no programa econômico.
Ele concordou. Os filhos estavam lá, o Carlos e o Flávio. Eles disseram: ‘A gente vem falando e tem de vir um cara de fora para você concordar’. Brinquei porque é exatamente assim com o meu pai.
Ele veio amadurecendo, porque os filhos ficavam assoprando no ouvido. Quando cheguei, ele já estava amadurecido e concordou.
Como você aproximou Bolsonaro e Guedes?
Fui duas vezes procurar Bolsonaro no Rio. Havia sugerido que poderia arrumar um grupo, e ele concordou. Conversei com muita gente. Fiquei desapontado porque ninguém topou. É aquele carimbo que tinham colocado nele, de fascista. Ninguém quis. Pensaram que iriam se queimar, ser perseguidos. Alguns tinham medo, outros não queriam se comprometer. Em 2016, não consegui. Em 2017, quando Bolsonaro foi para os Estados Unidos, saíram muitas notícias, volta e meia tinha lives. Eu, da China, vi uma notinha, se não me engano no jornal O Globo, com um comentário do Paulo Guedes. Senti que ele era simpático, não era como os outros com os quais conversei, que repeliam Bolsonaro. Não havia procurado Paulo Guedes antes porque não o conhecia pessoalmente. Fui estudar em Chicago em 1978. Cheguei lá com um bilhetinho para procurar um tal de Paulo Guedes, que era outro brasileiro no departamento de Economia. Mas disseram que ele recém havia tirado o PhD e voltado ao Brasil havia duas semanas.
Então, foi um contato a partir do zero?
Conhecia o Paulo Guedes de nome, pelos jornais. Ele é o melhor de todos. Fui atrás, consegui o telefone. Quando liguei, atendeu a filha. Ele tinha passado o telefone para a filha, tinha um novo número. Voltei a ligar e disse: ‘Era para a gente ter se conhecido há 39 anos. Antes tarde do que nunca’. Disse que queria saber se ele gostaria de conhecer Bolsonaro. Ele respondeu com bastante entusiasmo. Fiquei entusiasmado, achei uma pessoa que queria conhecer Bolsonaro. Não conversei muito com ele, porque estava meio afobado.
Imediatamente, mandei uma mensagem para Beatriz Kicis (ex-corregedora do Ministério Público do Distrito Federal, eleita deputada federal pelo PRP no DF) dizendo que havia falado com o Paulo Guedes, que ele realmente queria conhecer o Bolsonaro e era o melhor dos economistas liberais. Pedi: ‘Convence o Bolsonaro para ele aceitar’. Imediatamente, ela respondeu dizendo que estava ao lado dele nos Estados Unidos. Mostrou o celular para ele, ele disse sim. Saí correndo para achar datas. Estava voltando ao Brasil para o aniversário de minha mãe. No ano passado, ela fez 89 anos. Marquei na véspera. Fui ao Rio, passei a noite naquele hotel que fica perto da casa do Bolsonaro, na Barra da Tijuca, aluguei uma salinha.
No dia seguinte, foi a primeira vez que vi Paulo Guedes e a primeira vez que eles se viram também.
Houve identificação rápida?
Os dois são bastante falantes, mas diria que Guedes falou de 80% a 90% do tempo. Bolsonaro ouvia, fazia comentários, perguntas.
Os dois têm personalidades fortes. Houve estranhamento?
Foi supertranquilo. Zero estranhamento. Os dois se apaixonaram. Depois, falou que ainda era namoro. Foi uma reunião muito boa, e insisti para que continuassem conversando nos finais de semana. Essa conversa não podia morrer. No sábado seguinte, conversaram umas três horas, e, em uma outra segunda-feira, em um programa do Augusto Nunes, (Bolsonaro) anunciou (o contato com Guedes).
A combinação, no discurso de Bolsonaro, de frases de nítida inspiração liberal, como “tirar o Estado do cangote do empresário”, com algumas de inspiração nacional/estatizante, como “o setor de geração de energia elétrica é estratégico”, é sintoma da conversão recente?
Bolsonaro estabeleceu os limites. Dentro desses limites, o resto se privatiza. Depois, amadurecem-se as ideias. Quem sabe no futuro se privatize mais. Também depende das contas do governo.
WINSTON LING
Empresário
Talvez sim. Com esses resquícios estatizantes, a gente convive. No casamento, marido e mulher não concordam 100%. O importante é que concordem nas coisas importantes. O resto é picuinha que se deixa passar para manter a relação. Esse negócio da energia elétrica, se ele conseguir fazer as outras reformas...
O que é o Plano Guedes?
Reduzir o tamanho do Estado, uma reforma administrativa.
Desburocratizar, desregulamentar e devolver aos indivíduos uma série de decisões que ficaram nas mãos do Estado e amarraram tudo. A ideia é descentralizar, devolver aos Estados, aos municípios, a cada cidadão.
Guedes fala em privatizar tudo, Bolsonaro quer moderar. Quem decide?
Bolsonaro estabeleceu os limites. Dentro desses limites, o resto se privatiza. Depois, amadurecem-se as ideias. Quem sabe no futuro se privatize mais. Também depende das contas do governo. De repente, dá uma zebra e as contas não fecham. É como em uma família: ninguém quer vender o carro, mas, daqui a pouco, precisa. Se der sorte, não precisa. Vejo dessa forma mais pragmática.
Mesmo quem torce pelo sucesso da parceria teme que um choque de personalidades leve a uma ruptura. Existe esse risco?
Não vejo conflito. Os dois se dão muito bem. É especulação. Tem gente que gostaria que eles não estivessem juntos, mas acho que vão ficar juntos o tempo todo.
Episódios como o pedido de Bolsonaro a Guedes para não se manifestar na campanha alimentam o temor de conflito.
Aconteceu com um monte de gente, com (o vice-presidente eleito Hamilton) Mourão, com o filho dele Eduardo. Bolsonaro é uma pessoa muito inteligente, sabe como conduzir essa parte da política. O barbeiro não é ele, são os seguidores, os auxiliares, mas não ele. Ele é muito inteligente.
Você diz que, se o Plano Guedes der certo, o Brasil pode ser uma nova China. Como seria?
Fui pela primeira vez à China em 1980. Estava recém saindo do comunismo propriamente dito e abrindo totalmente. Não tinha regra para nada. Era cada um por si, trabalhando, abrindo empresa, empreendendo. A zona costeira crescia 30% ao ano. Era uma loucura. Pensei que levaria cem, 200 anos para consertar tudo, estava muito atrasado. Vi mudar tão rápido.
Então, acredito que mudança drástica e rápida é possível, desde que se liberem as forças de mercado.
No Brasil, empresários falam com certa admiração da forma como decisões econômicas são implantadas na China, com rapidez e sem negociação com partes interessadas. Essa é uma característica desejável?
Na China, não existe trabalho escravo, mas muitas pessoas que resolveram trabalhar demais.
WINSTON LING
Empresário
Não. Não gostaria de ver esse modelo chinês no Brasil porque não é 100% livre mercado. Tem muito dirigismo. Gostaria que o Brasil tivesse uma coisa muito parecida com o que vi na China nas décadas de 1980 e 1990, quando houve muita liberdade. O Brasil poderia ser como a China foi, sem regulação. Logo em seguida, foram restabelecendo o controle e regulamentando. Hoje, a China está desacelerando pela interferência exagerada do governo. A China passou por vários momentos. É como um filme, alguns viram o início, outros, o meio e outros, o final. Tem gente que diz que lá tem trabalho escravo. Cada comentário desses é uma parte do filme.
Como o senhor mencionou, muitos brasileiros ainda associam a China a trabalho escravo, com pouquíssimas garantias. Ao se tornar uma “nova China”, isso poderia ocorrer no Brasil?
Preciso explicar o que é esse tal de trabalho escravo. Na China, todo mundo era pobre. Ninguém tinha iniciativa porque o Estado fazia tudo. De repente, soltaram as amarras. Tinha gente trabalhando 24 horas por dia, mas não porque era forçado. Uma pessoa que tinha um trabalho de oito horas resolveu trabalhar à noite, mas ninguém forçou. Ele quis. Todo mundo queria, porque passaram tanta miséria. Meu pai, por exemplo, nunca teve sábado e domingo, nunca tirou férias. Só quando tinha 60 anos tirou as primeiras férias com a minha mãe. Mas ele não era escravo. Era escravo dele, da vontade dele de trabalhar. Mas outras pessoas acham que isso é trabalho escravo. O grande problema desse trabalho escravo, entre aspas, é que esse escravo acaba ganhando muito dinheiro. A pessoa que se esforça mais, acaba ganhando mais.
Na China, não existe trabalho escravo, mas muitas pessoas que resolveram trabalhar demais.
É possível desregular o Brasil como a China dos anos 1980?
É deixar que as pessoas resolvam os seus problemas. Isso melhora a autoestima de todo mundo, as pessoas e o país irão crescer.
Na China, as pessoas estão se reinventando o tempo todo. Um cara resolve ser camelô, daqui a pouco pula para outro negócio. De repente, um fica rico, inspira os outros. Mudam de emprego e atividade. Deveria se permitir isso no Brasil, porque a pessoa testar e se reinventar é um aprendizado.
Não haverá resistência?
Acho que não. O brasileiro é muito criativo, tem todas as chances. O problema é que, no Brasil, uma minoria consegue se impor. Por exemplo, proibir de trabalhar sábado e domingo porque ele não quer trabalhar sábado e domingo, proibir que se trabalhe mais de oito horas por dia porque ele não quer trabalhar mais de oito horas por dia. Quando essa minoria toma conta, enterra o país todo. Cada um tem de ter sua liberdade. A pessoa que quer trabalhar mais tem de poder trabalhar mais. O resultado é que ele vai ficar mais rico.
É um modelo factível no Brasil de 2018?
Gostaria que fosse aplicado, mas não sei se é possível. No Brasil, ainda se pensa que trabalhar demais é trabalho escravo. Muita gente acha que não conseguiria viver se não tiver sábado e domingo, muita gente começa a segunda contando quantos dias falta para sexta. Na China, não é assim. Muita gente trabalha e gosta. Para eles, a vida é isso. Muito brasileiro também é assim. Mas, muita gente, não. Essa parte política é difícil.
Bolsonaro está certo ao dizer não ver problema que a China compre no Brasil, mas não quer que a China compre o Brasil?
Acho que ele está se referindo ao nióbio (o Brasil tem quase todas as reservas do metal que torna ligas de aço mais resistentes).
Ele citou terras agricultáveis.
Na próxima oportunidade que encontrá-lo, até queria explicar a ele. Na questão da terra, o interesse da China é comprar soja, que é o alimento deles. Para você ter soja, não precisa comprar terra. O interesse da China é que a soja esteja disponível e que tenha o custo mais baixo possível. Tudo o que a China investe no Brasil é para tentar reduzir o custo da soja – energia elétrica, insumos, logística, portos, estradas, ferrovias. Agora, comprar terra é burrice. Mesmo o fazendeiro brasileiro que sabe plantar soja não precisa ser dono da terra. Arrenda. Por que empatar o dinheiro? Você não consegue levar a terra de volta para a China.
A tese de que a China quer dominar o mundo está errada?
Nos 5 mil anos de história, a China sempre foi invadida, nunca invadiu. Os mongóis invadiram, Gengis Khan, tornaram-se imperadores, casaram com chinesas e os filhos já ficaram misturados.
Casaram de novo com chinesa. Assim, foi diluindo. Depois de algumas gerações, tornaram-se chineses. A China nunca foi conquistar, sempre foi conquistada. Eles não têm condições, do jeito que está, porque têm problemas internos aos montes.
Qual sua avaliação atual sobre Bolsonaro?
Nesse tempo que o observo, cada vez mais fico com o queixo caído, porque ele tem tomado decisões muito inteligentes. Mesmo durante a campanha. Ele não é como os críticos dizem, uma pessoa sem condições, sem preparo. Ele tem conceitos bem claros.
Pode citar uma dessas decisões inteligentes?
Essa indicação do (juiz Sergio) Moro, por exemplo. Para mim, foi genial. Durante a campanha, lembro muita gente dando um monte de opiniões, até na escolha do vice, um monte de gente dando um monte de opiniões, e ele foi tomando as decisões.
Quais são os conceitos claros?
Não estou falando da economia, mas do combate à corrupção, ao crime, a segurança pública, a situação nas escolas. Tem sido super consistente. Agora, está formando a equipe. Na parte econômica, claro, o Paulo Guedes resolve.