Mesmo sem ter anunciado o nome que comandará o Itamaraty, Jair Bolsonaro (PSL) fez da política externa um dos temas mais recorrentes de suas declarações após a vitória no segundo turno da eleição presidencial. Enquanto parte dos posicionamentos ainda desperta incertezas entre analistas e empresários, outra parcela indica prioridades.
Até o momento, o caso que gerou maior repercussão, com possíveis efeitos na esfera econômica, envolve Israel. Depois de o capitão da reserva afirmar que pretende transferir a embaixada verde-amarela de Tel-Aviv para Jerusalém, o Egito cancelou a agenda, entre quarta-feira e domingo, de comitiva liderada pelo ministro brasileiro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira no país.
A medida sugere descontentamento de árabes. Pelo fato de esses países importarem produtos brasileiros como carnes, empresários do agronegócio — um dos setores que deram respaldo a Bolsonaro na disputa presidencial — manifestaram preocupação com eventuais perdas.
— Ainda não temos uma pessoa indicada para cuidar desses assuntos diplomáticos, o que vem causando ruídos desde a eleição — pontua o professor de Relações Internacionais Oliver Stuenkel, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Durante a semana, Bolsonaro mencionou que a mudança da embaixada ainda "não está decidida" e, na sexta-feira, no Facebook, disse que é "frescura" polemizar sobre o tema, mas ressaltou que quem decide sua capital é Israel.
— Alguns países estão muito felizes com a nossa eleição, por que deixarão de fazer comércio com o Brasil? — questionou Bolsonaro.
O consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, diz que também aguarda mais orientações do presidente eleito na área de política internacional para analisar o cenário a partir de 2019. Mesmo assim, relata estar "otimista":
— A economia do país deve ter crescimento maior no ano que vem. Isso deve ter efeito positivo sobre o comércio exterior.
Outra posição defendida por Bolsonaro é a maior aproximação do Brasil com os Estados Unidos. O país comandado por Donald Trump ocupa o segundo lugar entre os destinos das exportações nacionais, atrás apenas da China. Para Stuenkel, somente o aceno de Bolsonaro aos americanos não deve causar prejuízos à relação com os chineses, que enfrentam guerra comercial com os Estados Unidos.
— Tenho conversado com diplomatas chineses que dizem não ter agenda ideológica nesse assunto. O que os deixou preocupados foi o fato de Bolsonaro ter visitado Taiwan (em março), tema hipersensível — conta o professor da FGV.
Na mesma manifestação de sexta-feira, Bolsonaro afirmou que a viagem foi como "turista". Na segunda-feira, o futuro presidente disse que tanto China quanto demais parceiros comerciais podem "comprar no Brasil", mas "não comprar o Brasil". Para analistas, o posicionamento tem ligação com questões de soberania nacional, uma das bandeiras defendidas na campanha. Hoje, os chineses concentram investimentos no país em áreas como infraestrutura.
— A China já declarou que, se houver movimento a favor de privatizações, poderá fazer investimentos no país. Não seria algo benéfico se afastar dela — aponta o economista Marcos Tadeu Caputi Lélis, professor da Unisinos.
Sobre a América Latina, o presidente eleito também mencionou na segunda-feira que o Brasil continuará no Mercosul, mas sublinhou que buscará acordos bilaterais. A sinalização foi feita após o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, declarar que o bloco não será uma prioridade.
— Tentar acordos bilaterais não será tão fácil, porque não basta o Brasil querer. O outro país também precisa concordar. O Brasil deve procurar esses acordos, mas são processos que levam tempo — observa Barral.
O plano de governo ainda defende corte de alíquotas de importação de mercadorias. Presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro avalia que a medida poderá ser confirmada desde que, antes, sejam diminuídos custos operacionais:
— Não somos contra redução de tarifas de importação. Mas precisamos baixar despesas logísticas. Se houver só diminuição de tarifas, empresas daqui ficarão ainda mais para trás, porque importar será ainda mais barato.
Tensão gerada pela troca de embaixada
Se Jair Bolsonaro transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, estará seguindo os passos de Donald Trump. O presidente dos EUA autorizou, em dezembro de 2017, a mudança da sede diplomática. Além dos americanos, apenas a Guatemala tem embaixada na Cidade Santa.
Ao defender a medida para o Brasil, o presidente eleito afirmou que deseja respeitar a vontade de Israel de reconhecer Jerusalém como sua capital. A polêmica que envolve o assunto guarda vínculos históricos e religiosos, já que a cidade é considerada sagrada por três grupos: cristãos, judeus e muçulmanos. Por causa dos conflitos, a Organização das Nações Unidas definiu que as divergências devem ser superadas em negociações entre as partes envolvidas. Com isso, nações estrangeiras migraram suas embaixadas para Tel-Aviv.
O sinal de apoio de Bolsonaro a Israel tende a não ser bem digerido por países árabes. A avaliação de especialistas é de que pode haver retaliações aos negócios com o Brasil. De janeiro a outubro, o país exportou US$ 9,3 bilhões a membros da Liga dos Estados Árabes. No mesmo período, as vendas a Israel somaram US$ 269,6 milhões, quase 35 vezes menos.
O Brasil é o maior exportador no mundo de carne halal, que resulta de animais abatidos conforme preceitos da religião muçulmana. Em 2017, as vendas de frango halal renderam US$ 3,2 bilhões, equivalente a 45% das receitas totais com as negociações externas do produto, aponta a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
— Bolsonaro tem dado abertura incrível para o agronegócio se posicionar. Evitar estragos é tudo o que precisamos. Estamos confiantes de que haverá propostas para melhorar isso — comenta o presidente da ABPA, Francisco Turra.
Conforme analistas, a proximidade de Bolsonaro de Israel visa satisfazer, em parte, a bancada evangélica — há setores neopentecostais que acreditam que Jerusalém deve estar sob controle dos judeus para que Cristo retorne.
— Não é uma questão específica brasileira. Temos visto várias forças políticas no mundo se aliando ao eleitor evangélico — menciona o professor Oliver Stuenkel, da Fundação Getulio Vargas.
Expectativa pela indicação de nome para o Itamaraty
Diante dos ruídos que surgiram na área de política externa, analistas e empresários aguardam que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) anuncie o mais cedo possível o nome de quem chefiará o Itamaraty. A medida é considerada necessária para acalmar ânimos e dar maior clareza sobre posicionamentos internacionais que poderão ser defendidos no próximo governo.
— O melhor agora é anunciar quem assumirá o Ministério das Relações Exteriores e passar a essa pessoa o papel de dar as declarações. Isso é necessário para evitar ruídos com parceiros comerciais — sublinha o economista Marcos Tadeu Caputi Lélis, professor da Unisinos.
Bolsonaro avisou que escolherá um diplomata de carreira para coordenar o Itamaraty. Por enquanto, comenta-se que há dois nomes cotados: Luís Fernando de Andrade Serra e José Alfredo Graça Lima.
Serra chefiou, até meados do ano, a representação do Brasil na Coreia do Sul. O diplomata teria conhecido Bolsonaro durante o tour do então pré-candidato pela Ásia no início do ano. Lima atuou como representante do Brasil junto à União Europeia, e seu último cargo no Itamaraty foi o de subsecretário para Assuntos de Integração, Econômicos e Comércio Exterior.
— Estamos em fase inicial. Precisamos aguardar o que vem por aí. Ainda não há confirmação do novo ministro. Estamos falando de hipóteses — relata o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.