Ex-embaixador do Brasil na Argentina, José Botafogo Gonçalves avalia que Jair Bolsonaro (PSL) tem condições de promover ganhos na área de política externa. Ao analisar declarações do presidente eleito, projeta que o futuro governo buscará mudanças no Mercosul, o que considera positivo para o desenvolvimento do comércio dos países do bloco.
Como o senhor avalia o que vem sendo sinalizado pelo futuro governo na área de política externa?
O governo nem sequer começou (risos). Houve manifestações de Paulo Guedes (futuro ministro da Economia) sobre a América do Sul que foram parcialmente corrigidas. O presidente disse que suas prioridades são ampliar o comércio e ter relações ativas com países mais importantes do mundo. O que houve de mais específico também foram restrições ao Mercosul ideológico. O Tratado de Assunção de 1991 foi um acordo de comércio entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Depois de Lula, os governos do Mercosul resolveram apoiar o (ex-presidente da Venezuela) Hugo Chávez e namorar o tal do bolivarianismo. Isso não tem nada a ver com o Mercosul. O Mercosul não foi feito para apoiar bolivarianismo, que fracassou. O Mercosul precisa ser reformulado.
É um acordo que estabelece proteção tarifária elevada para os países-membros. Favorece uma economia fechada, dentro de uma perspectiva defensiva. A grande força da América do Sul vem da agricultura e dos recursos energéticos. É preciso que o Mercosul crie mecanismos para que os países negociem acordos de livre comércio com grandes mercados.
Qual é o maior problema?
Vender com maior valor agregado. Não basta só farelo de soja. É preciso vender soja transformada em proteína animal. Está na hora de mudar o Mercosul. As autoridades que podem fazer parte do governo estão manifestando esse tipo de preocupação.
Bolsonaro pretende mudar a embaixada em Israel. Como o senhor avalia?
É um erro. É uma situação muito complexa. Com exceções de Estados Unidos e Guatemala, nenhum outro país transferiu a embaixada em Israel. Se países desenvolvidos não tomaram essa iniciativa, algum motivo existe. O ambiente no Oriente Médio é muito complicado, não só comercialmente. O governo de Israel é extremo, não está conseguindo manter o Estado laico. Não se ganha nada com essa transferência.
O presidente eleito manifestou desejo de aproximar o Brasil dos Estados Unidos. Qual sua opinião?
É importante, certamente. Nenhum país do mundo pode considerar secundária a relação com os EUA. O fato de os americanos estarem sendo governados por uma personalidade extravagante só complica um pouco. Mas os EUA não se resumem a Trump. Nenhum país europeu nem a China estão querendo se afastar deles.
Tanto a China quanto demais países "podem comprar no Brasil" e "não o Brasil", disse Bolsonaro. Como avalia essa declaração?
Quem está ditando as relações entre o Brasil e a China é a China. Devido à recessão, estamos simplesmente reagindo às iniciativas chinesas. Acho que Bolsonaro quer dizer é que o Brasil precisa de uma política para saber o que o país quer da China. O que a China quer do Brasil já sabemos. É justo que ele se preocupe em definir o que o Brasil quer da China. A preocupação também é grande em outros países. Não é uma questão ideológica, é uma questão de poder desproporcional que pode perturbar o equilíbrio interno. É muito razoável que se pense nisso.
Bolsonaro repudia a Venezuela e cogita romper relações com Cuba.
Cuba está em processo lento de revisão da teorias e das políticas de Fidel Castro. Mesmo com a lentidão dessas reformas, esses processos estão sendo desenvolvidos. Não tem por que romper relações com Cuba. A Venezuela é outro caso. É mais grave. Creio que romper relações dificulta a maneira de fazer pressão para a Venezuela resolver politicamente seu problema. Uma intervenção militar seria um desastre. A diplomacia é rica em gradações, há muitos mecanismos para manifestar descontentamentos sem partir para ruptura.