Professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Juliano da Silva Cortinhas afirma ver "com muita preocupação" sinalizações do futuro governo de Jair Bolsonaro (PSL) na área de política externa.
Para o analista, ideias defendidas pelo presidente eleito, como a mudança da embaixada em Israel, podem prejudicar os negócios.
Como o senhor avalia a política externa do governo eleito?
Vejo com muita preocupação. É um governo que, em política externa, surge depois de um período bastante negativo por causa da herança deixada tanto por Dilma (Rousseff) quanto por (Michel) Temer. Desde o regime militar, Lula foi o presidente que mais colocou o Brasil para fora do país por meio de acordos e novas embaixadas. Fez abertura para o cenário internacional. Dilma recuou nisso. Temer foi afetado pela impopularidade interna e por dúvidas com relação à lisura do processo de impeachment. Bolsonaro sofre com o radicalismo de seu histórico político. Há na imprensa internacional um olhar com muitas dúvidas. Caberia a ele tentar desconstruir essa imagem negativa, mas ele vem fazendo o contrário. Tem reafirmado posições ideológicas, com discurso de mover a embaixada brasileira em Israel, de cortar relações diplomáticas com Cuba, de construir relação inabalável com os EUA. Bolsonaro também sinalizou afastamento da China. Ele teve um encontro (com o embaixador do país asiático no Brasil, Li Jinzhang), mas não sabemos o teor da conversa. Vejo isso com muita preocupação.
Como o senhor analisa a transferência da embaixada em Israel?
O Brasil tem nos países árabes alguns de seus grandes parceiros comerciais. Para atender a exigências desses mercados, houve série de investimentos em empresas que vendem carne de frango para lá, por exemplo. Parece que se está ignorando isso. Há possibilidade de perda de negócios.
Qual sua opinião sobre a aproximação com os Estados Unidos?
Sempre que o Brasil procurou aliança com os EUA, ficou frustrado. Os EUA não deram em troca o que desejamos. Houve frustração porque eles não veem no Brasil um país extremamente relevante para parcerias comerciais. Os olhos dos Estados Unidos sempre estiveram mais voltados para áreas como a Eurásia, por exemplo.
Bolsonaro afirmou que tanto a China quanto demais países "podem comprar no Brasil" e "não o Brasil".
Diferentemente do Brasil, a China tem política externa pouco ideologizada. São muito pragmáticos. Se o Brasil começar a incomodá-los, a tendência será de afastamento. Hoje, o país não está em condições de negar possíveis auxílios internacionais. Os chineses podem negociar tanto com governos petistas quanto com Bolsonaro desde que haja abertura. Se houver riscos, tendem a buscar outros parceiros.
O presidente eleito repudia a Venezuela e cogitou romper relações com Cuba.
São declarações ideologizadas, sem fundamento prático. Não tendem a trazer ganhos. Cuba não é um grande parceiro comercial, mas pode haver prejuízo no Mais Médicos. Se o futuro governo cortar relações, um programa voltado a populações esquecidas será colocado em risco. Em relação à Venezuela, a crise humanitária poderá ficar ainda maior. São questões sociais que podem ser agravadas.
Bolsonaro declarou que o vínculo brasileiro com o Mercosul continuará, mas sinalizou que poderá haver atenção especial a acordos bilaterais. Qual sua avaliação sobre essas afirmações e o peso do Mercosul para o Brasil?
Qualquer país que queira se desenvolver precisa de vizinhos bem estruturados. É muito melhor que a economia sul-americana esteja vibrante do que ficar cercado de países mais fracos. Outra questão é que os membros do Mercosul adquiriram protagonismo em nossa pauta de exportações.
As declarações causaram descontentamento nos vizinhos. Espero que sejam frases mais retóricas do que concretas. Bolsonaro parece se espelhar em (Donald) Trump para negociar. Mas EUA e Brasil não são os mesmos países. É preciso cuidado.